"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

jueves, abril 26, 2007

espelhos
Abismo

Ela olha para baixo e enxerga a água turva sob seus pés. As lágrimas em seus olhos acusam as suas intenções. Ela realmente planeja pular. Quando o conheceu há apenas algumas semanas, uns dois meses sendo mais preciso, já imaginava a cena épica que estava prestes a realizar ali. O roteiro já sabia de cor e até o desenrolar dos acontecimentos vindouros já podia prever. Mas ela o conheceu. Aquela ponte era tão antiga que se passasse tempo demais pensando corria o risco de perder o direito de escolha. Ela odeia qualquer coisa que comprometa o seu livre-arbítrio. Sentir-se presa é pior do que a morte, e é por isso que veio até aqui. Maldita a hora em que resolveu ir até aquele show. Podia estar ainda livre, podia ser dona de si mesma. Mas não era mais. Sua vida desregrada a fazia feliz, apesar de tudo. Sentia-se bem com a falta de apego a tudo e a todos. Não mais agora. Ela o ama, e se odeia profundamente por isso. Sua vida, do dia para a noite, passou a fazer algum sentido. E todas as suas atitudes, festas, loucuras, seu adorado way of life, já não tinham a mesma graça. Encontrava ali um motivo para seguir em frente, para fazer planos e até para ter algumas responsabilidades. E isso era detestável. A irresponsabilidade, a porralouquice e a falta de limites já faziam parte de sua essência. Como mudar agora? Como mudar algo que não se quer mudar? Ela olha para baixo novamente e pensa duas vezes. Num momento como aquele, em circunstancias como aquelas, pensar duas vezes é muito. Uma vez e meia já seria o bastante para desistir. E ela se odeia por isso. Sai dali sorrateiramente e se afasta da maldita ponte, já condenada, antes que perca aquilo que mais preza na vida: sua liberdade de escolha. Ela teve medo ali. E não sabe conviver com isso. Vai ao seu encontro agora. Marcou de encontrá-lo em uma hora na sua casa. Foi embora sem realizar o que planejou fazer. Não se atirou. Pelo menos não hoje.