"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

martes, junio 27, 2006

da série
Iranice, uma brasileira
parte III - eu quero ver o Brazil perder a copa

Iranice, a gente já sabe, é brasileira, igual a tantos mais (mas lembre-se de não mexer nos seus cabelos). Iranice pode ser um monstro, mas que culpa ela tem? Se a sociedade que a gerou é igualmente monstruosa, sem escrúpulos, sem freios morais e completamente carente de princípios? E que tipo de princípios você ainda tem? E que tipo de patriotismo você leva pro estádio? O mesmo que te faz ultrapassar em local proibido, dirigir bêbado, colar na prova, furar a fila, estacionar na vaga de deficiente e pedir pro guarda dar um ‘jeitinho’? Que tipo de Brasil você vende? O mesmo falso Brasil que se veste de amarelo e vai bater bola na Copa? Do carnaval, das mulatas, samba, axé, Bahia, Olodum, festa, alegria? Do povo sorridente que sofre, mas é feliz? Ou aquele de verdade? Eu quero ver o Brasil perder a Copa do Mundo. Mais do que isso, quero ver a imagem real e sem hipocrisia de um país que se esconde de si mesmo aflorar. O Brasil da corrupção, da ganância desenfreada, do povo pobre e que já foi amedrontado um dia, e que hoje já nem consegue mais. Do povo que acha tudo normal e aceitável. Que é pobre, fútil e cada vez mais pobre e que ainda assim consegue aglomerar uma das maiores massas consumistas do planeta. Que bate recordes e mais recordes de permanência no orkut. Que se esbalda no uso dos aparelhos celulares da moda mais do que qualquer nação de primeiro mundo. Mas que se entulha de analfabetos, famintos e desempregados. Que recebe os piores salários e paga os maiores impostos. Que não tem direito a ser atendido com dignidade nas delegacias (repletas de corrupção), nas escolas e nem sequer nas filas de hospitais. Do crime organizado que toma conta das regiões de baixa renda, das viaturas policiais e até mesmo dos gabinetes dos governantes. Governantes que só defendem os torpes interesses de quem lhe interessar e continuam a se eleger e reeleger e se perpetuar no poder indefinidamente. O Brasil de Iranice e de tantos outros monstros criados à imagem e semelhança de uma sociedade podre e sem escrúpulos que se degrada cada vez mais. De gente que morre nas ruas. De fome, de assalto, de bala perdida. De doenças que se alastram pelos berços mais pobres e desprotegidos até se formar em epidemias incontroláveis. Do cara que fura a fila, cola na prova, avança o sinal vermelho, excede o limite de velocidade, dirige embriagado, joga lixo na rua, se droga, se vende, se trafica, se corrompe, se destrói. E aos outros. O país que condena a cólera de Suzane (que a prisão lhe guarde) e que, pelas costas, é conivente com a fúria hedionda de Iranice. Do marido que matou a esposa e do torcedor que jogou uma bomba no estádio. Do garoto que morreu por causa de um par de tênis e daquele que o matou por uma pedra de crack. De todos aqueles assassinos, corruptos, covardes e ladrões que vão se vestir de amarelo e torcer pelo Ronaldinho na Alemanha. De todos aqueles que vão cantar o hino nacional de dentro da cadeia e dos muitos outros que vão cantar de fora, mas deveriam estar lá dentro. De todo mundo que vai torcer pelo Brasil e gritar em coro como o seu país é um verdadeiro paraíso. De futebol, mulatas, samba e carnaval. De um povo conivente com a pobreza, a violência, a corrupção e a total ausência de índole. O país do povo brasileiro, de Ronaldinho e do penta. Do time que eu quero ver perder a Copa e do povo que eu queria ver dar a cara a tapa.

miércoles, junio 21, 2006

três pontos
Emmy (na dinâmica de um paliativo)

eu não vou te mandar flores no dia seguinte pela manhã. no máximo, te acordar com um sorriso e um ‘bom dia’. não vou te fazer promessas, nem tampouco cumpri-las. nem te levar para jantar à luz de velas, abrir a sua porta do carro ou te buscar no trabalho. eu não quero companhia para ir ao supermercado, ao shopping, à livraria. nem para comer pizza nos domingos à noite. eu não queria companhia para ir ao cinema, nem para assistir a um dvd comendo pipoca na tua sala. não queria alguém que me recebesse em casa ao fim do dia com propostas e desejos. não pediria para você me acompanhar nos meus jogos, festas ou nas visitas à família e aos amigos. nunca quis conhecer teus pais. não pediria que fosse comigo ao dentista. não te chamei para uma viagem de férias a dois. não te forcei a me dar teu telefone e atender às minhas chamadas. não te iludi com promessas e presentes e não fui eu quem encontrou tantas dificuldades para tudo. da minha parte, na verdade, o teu acesso sempre foi muito facilitado. quando se quer, se faz. e ‘impossível’ é uma palavra que não deve nunca ser usada em vão. eu queria apenas alguém para dividir a cama nas noites frias. que me cedesse o colo, o busto e um afago. uma companhia para os dias de ócio e tédio. e uma companheira para algumas madrugadas de sexo, ameno ou virulento, tanto faz. um tanto quanto fugazes, madrugadas regadas a vinho barato e embaladas por clássicos do rock n’ roll. parece pouco, não é mesmo? e realmente é. tão pouco que, para isso, até você servia.

martes, junio 13, 2006

da série
Iranice, uma brasileira
parte II - Yes, nós temos Ronaldinho

Iranice é uma brasileira. Viúva. Mãe de dois filhos (não é preciso licença nem comprovação de sanidade mental para isso). Já foi casada duas vezes. O primeiro marido morreu (ela mandou matá-lo). O segundo não morreu por pouco. A gente já conhece essa estória. Só finge que não. Tem por toda a parte. Iranice não tem freios morais ou noção do valor de uma vida. Ela perdeu isso, ou talvez nunca tenha adquirido. Patologicamente, não poderia ser enquadrada como psicótica. Tem noção do que faz e de tudo o que fez. Sabe que poderia ser punida pelos seus crimes, mas sabe que não o será. Seria uma psicopatologia, talvez. Provavelmente nem isso. Ela é apenas uma em meio a tantos. Apenas mais uma brasileira. Um povo sofrido, embrutecido, emburrecido, entorpecido... que aprendeu a aceitar o hediondo como cotidiano. Ninguém se espanta mais com nada. Jovens de classe média vestem kimonos e saem se espancando pelas ruas. Ateiam fogo em índios, indigentes, mendigos – “ninguém se importa com eles”. Gente se espanca, se rouba, se mata, se vende, vandalisa e ninguém se espanta mais com nada. Policiais são corruptos, advogados são corruptos, promotores são corruptos, juízes são corruptos, políticos são corruptos... e ninguém mais liga. Um maluco e sua esposa matam uma atriz famosa a facadas e todo mundo se veste de indignação. Uma garota mata os pais pra ficar com a herança e o povo se ergue em indignação. Jovens se juntam ao crime organizado, matam, se drogam, se ferem, roubam... e ninguém presta atenção. Criam-se significados distintos para o que é certo, o que é justo e o que é legal, quando, na verdade, tudo deveria fazer parte de um conceito único e indivisível. Os três, um só. Mas ninguém se importa com isso. Somos corruptos desde o fundo da alma até a cútis. Desde o motorista que acelera no sinal amarelo até o policial que recebe propina pra facilitar a rebelião. Desde o juiz que liberou o filho da cadeia e lhe deu um emprego público até o advogado que levou o celular para a prisão. Desde o cara que colou na prova até o outro da mala do mensalão. Desde o pedreiro até o presidente. Somos todos. Eu, o Lula, Iranice, Suzane, e até mesmo você, que aceita tudo isso. Porque nós somos o país do futebol, do carnaval, da mulata gostosa, do clima tropical, do turismo sexual, do ‘jeitinho’ e do Fernandinho. Porque nós somos nacionalistas e patriotas e nos vestimos de amarelo na copa do mundo. Porque aqui nunca teve guerra. Somos um povo pacifico, pacato e alegre. Alegria, alegria... esse é o povo do Brasil. Porque a humanidade é podre, mas o brasileiro é, acima de tudo, um covarde. Mas nós temos dois Ronaldinhos e somos penta. O que mais importa? Se pudermos continuar vendendo a nossa imagem de alegria e felicidade, de carnaval e futebol, de um povo que sofre, mas não perde o rebolado, de um povo que nunca passou por guerras, furacões, terremotos e que, por isso, somos felizes. Porque, afinal, nós somos penta. E é isso o que vale. Nós somos penta e eu quero ver o Brasil perder a copa do mundo. Mas quer saber? No final, tudo vai continuar igual.

jueves, junio 08, 2006

três pontos
Palavras

Olhe nos meus olhos e enxergue o efeito sísmico do nosso silêncio.
Ouça os recordatórios gravados nas paredes da casa, o latejar da nossa carne ferida pelos ecos intermitentes incontidos nos vãos entre as suas-minhas palavras...

Palavras que se dizem com raiva ou com ternura
Palavras que se perdem no vácuo da distância e do tempo
Palavras que se dispersam na ausência ou que ressoam nos sentimentos
Palavras que se vão e se vêm
Palavras que ficam.

Palavras que latejam na memória das dores já mortas e das feridas não esquecidas
Palavras cheias de culpa
Palavras de desculpas
Palavras vazias...

Palavras que dizem a verdade
Palavras que mentem
Palavras que dizem o que querem dizer
Palavras que não devem se dizer
Palavras que se preferem não ditas

Palavras em jogos, palavras de ódio, palavras de amor
(seja lá o que elas queiram dizer)
Palavras de ironia, palavras sarcásticas, palavras de dor
(eternas enquanto duras)
Palavras em código, palavras incógnitas em claves de sol
(decifra-me ou te devoro)

Palavras quentes e palavras frias
Olhares que dizem tudo (silêncios...)

Palavras que não se ouvem, palavras que não se dizem
Palavras entre quatro paredes
Palavras lânguidas, palavras lambidas, palavras pélvicas
clitorislinguístico pubianolíquido

Palavras que têm cor
Palavras em branco e preto
Palavras acima de qualquer suspeita
Palavras abaixo do equador.

Palavras que só ferem porque dizem a verdade, mas principalmente, porque são proferidas por quem se sabe gostar de si.
Porque se assim não o fosse, seriam nada mais que palavras tropeçando ao vento, cavalgando a esmo no silêncio das verdades não ditas...