"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

lunes, junio 20, 2005

três pontos
island dreams

"Gosto dos homens que têm um futuro e das mulheres que têm um passado." (Oscar Wilde)
Cautelosamente pousando meus últimos passos por entre os corredores escuros e encharcados de memórias de tantos que por ali já passaram e aprenderam e cresceram e viveram. Revejo a saga de que fiz parte e bebo deste orgulho que transborda por entre as brechas de cada porta. Deixo meu nome na parede da ante-sala e sigo pelo deleite das lembranças que circulam por entre as minhas artérias. De ter feito parte de algo tão grande e de ter colhido os frutos deste caminho tão duro. Do tempo em que estive misturado entre todos aqueles que já vieram e por aqui já deixaram um pedaço de si. Levando consigo uma fração de todas as parcelas que aqui se somaram em forma de grande fim. Partes da “elite intelectual deste país” tão pouco nobre. Extraídas das palavras daquele homem que tanto tentamos, mas nunca compreendemos por completo. Que, tal qual um pontífice, agrega seus súditos com fé em torno de si. Que ergueu seu império a custa de muito suor e o rege hoje, do alto de toda a sua excentricidade de maestro que se sobressai aos aplausos dirigidos a sua orquestra tão bem montada e ensaiada, com polidez e sapiência dignas da sua nobreza. Que mantém viva e transpirando a sua paixão pelo trabalho e pelo engrandecimento de sua nação. Fazendo-se mistério e inspiração. Inspiração que nos trouxe, tantos, ao redor de uma mesma távola. Cautelosamente percorro uma última vez o caminho que me traz a lembrança antecipada de uma saudade que me acompanhará pelo resto da vida, assim como a influência adquirida que nunca se fará dispersa em minha alma. A saudade dos dias que passaram rapidamente, das finas paredes de compensado, das conversas e companhias tão diversas e, ao mesmo tempo, tão semelhantes. Do som das máquinas que se mantinham ligadas desde primeiro raio da aurora até os últimos momentos de cada crepúsculo. Invadindo muitas vezes a solidão de noites frias de inverno e o silêncio das madrugadas de trabalho que pareciam não ter fim. Tentando sempre prever os caminhos da natureza e logrando tanto sucesso em suas operações infindáveis a ponto de nos instigar a coragem de enfrentar os desafios de mais difícil compreensão. Das ruas que desenhavam cada contorno desta cidade. Das extremidades paradisíacas. Das festas, dos lugares, das pessoas, dos olhares. Tão diferentes do meu. Da nova percepção de mundo que me acompanhará daqui pra frente. Da ilha que hoje estende seus limites aos continentes em torno do globo através de nós. Aprendizes, arautos e filhos bastardos do conhecimento. É chegada a hora de partir em busca do que somos e de tudo aquilo que um dia seremos.

martes, junio 14, 2005

espelhos
Prisões sem Muros

Sabia que daquela noite não passava. Esperara por tal momento há meses. Queria muito estar ali, entre eles, convivendo e vivendo plenamente. Era a declaração de independência psicológica que tanto aguardava. Disse aos pais que estaria em um grupo de estudos. Que virariam a noite, se necessário, até cumprir todo o conteúdo. Mentiu. Pela primeira vez. Dentro do carro teve ânsia de vômito, mas segurou a onda e não deixou ninguém perceber. Era uma pessoa adulta, madura e dona de si. Não poderia se deixar ver aos vômitos daquela forma. Passado o mal estar, veio a eufórica ansiedade pela noite que lhe aguardava. Apesar de toda a vontade, até então contida, de ser diferente, de ingressar naquele mundo, de se sentir livre de verdade e de sentir-se, enfim, de posse do seu próprio nariz, era impossível não sentir medo em tais circunstâncias. Era impossível libertar-se por completo daquele receio de que tudo desse errado, fatidicamente errado ou até tragicamente errado. O medo de ter suas ações descobertas. Queria sentir-se livre, mas tinha consciência de que não o seria de verdade. Que no fundo, teria de manter a imagem daquele modo de vida regrado, responsável e ainda infantil. Seus 14 anos recém completos não lhe faziam romper a barreira da adolescência diretamente para a condição adulta. Embora assim o acreditasse, no fundo, sabia que não. Dali por diante sua vida seria isso, pura pose. Uma vida dupla e marginal. Fingir para a família que mantinha sua castidade, puerilidade, responsabilidade de criança estudiosa e aplicada, com um belo futuro à vista. E fingir para os seus amigos que se sentia absolutamente à vontade naquele meio, entre aquelas pessoas, em todos aqueles ambientes e situações. Apresentar-se frágil para uns e forte para outros. Mesmo sendo bem pouco do primeiro e quase nada do segundo. Dali para frente passava a guardar em si duas identidades, ambas falsas. Duas vidas de mentira. Durante o dia, esconder as marcas de furos, os brincos, os piercings, as carteiras de cigarro e os odores trazidos consigo da noite. E à noite, esconder os livros, as roupas claras de grife chique e os poucos brinquedos que ainda faziam parte de seu cotidiano. Atravessava ali a fronteira e sabia não poder tomar o caminho de volta. Mas continuou assim mesmo. Morrendo de pavor e enchendo-se de teimosia. Em meio a drinks exóticos e conversas que pouco compreendia, sentiu o frio na barriga quando percebeu que era chegada a hora. O clímax definitivo daquela noite de aventuras perigosas. Dos saquinhos se perfilavam aquelas fileiras brancas e todos começavam a por os pequenos canudos nas narinas e partir rumo a suas torpes viagens. As agulhas ficariam para outro dia. Um passo de cada vez. Ela respirou fundo e foi em frente. Sabendo que daquele dia em diante sua vida jamais seria a mesma. Embora chegasse ali em busca da alforria de sua antiga condição, embarcava numa nova prisão na qual se veria imersa sem desejos de libertar-se. Até hoje...
* Trecho de Espelhos, título provisório de um romance ainda incompleto by Che.

jueves, junio 09, 2005

três pontos
Zumbis

what’s in your head? in your head…
Aquela tarde fria de sábado volta à minha memória toda a vez que me recordo de você. Assim como tantas outras passagens de nossa vida que foram compartilhadas com tanta afeição. Você de braços abertos e ombro amigo, sempre a disposição nas horas mais difíceis. Com sua sagacidade marota me desafiando sempre a ser cada vez melhor em tudo. Cuidando e sendo cuidada por mim. Nossa amizade de respostas incompletas, mas nunca de meias palavras, que hoje, à distância, me falta mais do que nunca. Aquela tarde se mantém presente como um marco de confiança e entrosamento. Você do seu lado da linha, com sua voz aveludada de contornos frágeis no falar e tão sensualmente encorpada no cantar, e eu do lado de cá, com minha pouca experiência, dando corpo àquele momento de surrealismo moderno ao soar das cordas de minha guitarra que me conduzia a acompanhá-la numa canção nunca antes tocada por mim. Um arranjo de rara beleza modulado pelas parvas freqüências audíveis da rede telefônica. Ensaio acústico sem estúdio. Outdoor. Rico no experimentalismo da nossa liberdade poética. Éramos nós, abraçados num enlace de fibra óptica. Instantâneos insólitos, inesperados e inesquecíveis. Inesquecíveis como a sua voz de poder imensurável no tocar em meu peito. Como você, minha irmã, minha filha, minha mãe, companheira. Minha amiga de todas as aventuras fantasiosas que parte e me deixa esse liquidante rastro de saudade. A você, agora, dedico esta canção, que hoje eu canto pela segunda vez.
“another head hangs lowly...”

viernes, junio 03, 2005

curtas
Sangue e Fritas

Tomara banho de rosas naquela tarde, cheirava como as próprias. Exalava o seu perfume que se confundia com o das flores pelo jardim. Mas ele só conseguia sentir o odor forte do seu sangue. Um cheiro forte invadia suas narinas e fazia sua língua salivar e sua garganta secar. Seus olhos tremiam de tanto desejo e sua pele ardia. Ele tinha sede. Fitou-a desde a janela da torre com uma firmeza incomparável que a fazia gelar a espinha. Sentiu aquele calafrio descer desde a nuca através do pescoço, ouriçando-lhe os pêlos de todos os membros. Sentiu aquela presença nefasta no despejar de um jato de adrenalina em suas veias, disparando sua freqüência cardíaca e intensificando ainda mais o cheiro que subia de seus poros e o fazia sentir cada vez mais sede. Virou-se subitamente cruzou o olhar da criatura que já brilhava em sua direção com seu poder irresistível. Ela tremeu, mas o frio que lhe descia até o cóccix retornava subitamente como um calor que lhe subia desde a virilha até o pescoço. Caminhou em sua direção, compartilhando de seu desejo, suas fantasias, sua sede. Percorreu a calçada de mármore que a conduzia através do jardim em direção a escada. Subiu degrau por degrau, enquanto já conseguia sentir o peso da sua mão apertar-lhe o pescoço. Ela já o desejava como nunca antes desejara ninguém mais na curta vida que lhe foi permitida viver até aquele momento. Postou-se em frente à porta, esperou-a abrir por completo e adentrou o salão daquela enorme e sombria mansão de paredes tão antigas quanto a própria criatura que habitava aquela fortaleza. Sequer percebeu o peso com que a porta se bateu, sozinha, às suas costas, deslocando com ferocidade o vento que levantava o seu vestido. Desfez os laços no decote e deixou as vestes descerem ao solo, revelando seu corpo esguio de belíssimas formas e textura suave como a seda mais cara de sua época. Caminhou por entre os corredores úmidos do castelo até alcançar as sujas e fétidas masmorras que a levariam aos aposentos do seu predador. A última porta, enfim, se abria. Seus olhos a ofuscavam com um brilho escarlate tão forte quanto o sol. Ela já não via mais nada, já não pensava mais nada, já não sentia mais nada a não ser aquele desejo. Ele aproximou-se de sua nova consorte com profundo deleite e abriu a boca com a ânsia de um faminto, mostrando suas lisas e brilhantes presas, ao passo em que ela erguia a cabeça e deixava cair sobre um ombro os longos cabelos negros, deixando a mostra sua suculenta jugular. Avançou como uma fera sobre sua caça e...*

(escuridão...)

- Eeei!!!
- O que foi isso??
- Faltou luz...
- Que saco!!
- Será que estragou o DVD??
- Se estragar a gente processa a concessionária e fatura uma nota.
- A-hám! Até parece...
- Tá bom...
- E então? O que a gente faz agora?
- hmmm...
- O quê??
- Eu posso te levar pra cama, morder seu pescoço, sugar todo o seu sangue até fazer de você minha escrava sexual, para realizar todos os meus desejos... que tal?!
(...)
- Pega ali uma vela na cozinha, por favor.
- ... tá, já tô indo...