"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

jueves, noviembre 23, 2006

três pontos
Youngblood

Existe uma diferença gritante entre autenticidade e rebeldia desfocada, é incrível como tanta gente se perde em meio às duas coisas. A garota que tinha os cabelos azuis, hoje os mantém negros, ao natural. Já não usa mais os seis brincos que perfuravam suas orelhas e trocou as roupas sempre escuras e com dizeres contestadores pela farda de secretária da loja de peças automotivas. Nunca mais pegou um baseado, mas mantém-se no vício das suas três carteiras semanais de cigarro. Ainda toma os mesmos ônibus todos os dias, mas já não chama mais a atenção de ninguém. O rapaz dos cabelos emaranhados e despenteados hoje os penteia a gel. Sempre bem curtos, eles já não podem mais esconder as argolas que já não usa mais nas orelhas. Ainda usa as calças bem abaixo da linha da cintura e as camisetas das bandas de metal que ouve (aquelas que de tão largas no passado se ajustam perfeitamente no seu novo corpo obeso), mas apenas em casa. No trabalho está sempre bem ensacado, abotoado, penteado e engomado para atender os clientes no caixa da loja de departamentos. Sua guitarra mofa guardada no armário. Sem cordas. Passou a evitar o pó, mas de vez em quando ainda experimenta uma erva com os colegas do irmão mais novo. Ainda toma os mesmos ônibus todos os dias, mas também não chama mais a atenção de ninguém. A garota faceira que raspava os cabelos para se misturar aos meninos e se vestia com tecidos da ‘índia’ hoje, aos 33 e recém formada médica, trocou os piercings que usava nas orelhas, língua e nariz, pelo pequeno e discreto que esconde no umbigo. Embaixo do enorme jaleco branco que encobre suas quatro tatuagens quando precisa se apresentar no atendimento aos pacientes do hospital universitário, com suas longas e belas madeixas louras, sempre bem penteadas. Ela ainda tem mais dois anos de residência pela frente, e frequentemente se sente presa. Às vezes ao passado, outras ao futuro. Nunca ao presente. Todos eles queriam mudar o mundo. O mundo em que vivem hoje ainda é o mesmo no qual cresceram relutantes. As pessoas, eles sim, é que mudaram. Por quê?! O mundo é imutável? Não. Ele é maleável, sempre. Mas rejeita propostas vazias.