"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

viernes, octubre 27, 2006

da série
Luís
parte III - Sr. Silva

“se você deseja por ordem no inferno precisa negociar com o diabo”
A esperança que mantinha, de que um dia mudaria com seus sonhos a história pragmática de seu país, se esvanecia na imagem de apatia que se pintava nos rostos de um povo covarde, que não se acreditava dono de si mesmo. E quão difícil é acreditar em alguém que se enxerga incapaz e se faz inerte. Para domar a hierarquia de uma sociedade corrompida e amedrontada, teria de se reconstruir tão plácido e efêmero quanto seus eternos corruptores. Ele renunciou a convicções, cedeu em termos que julgava intocáveis e abriu mão, cada vez mais, do que considerava necessário, buscando negociar suas convicções para obter aquilo que se fazia primordial em detrimento da própria vontade. Agia da forma como se exigiam os protocolos que o seu povo, desconhecendo o motivo para tanto, ainda assim ansiavam por ver respeitados. Vendeu parte de sua luta aos velhos inimigos para que assim fosse possível comprar-lhes ao menos o que lhe fosse essencial. Abdicou de parte de si em nome de parte de seus desejos por mudanças para a vida de seus pares, que nunca, de fato, compreenderam e aceitaram a sua idéia. O fez em nome do que era maior, para suplantar a falta de coragem das pessoas em governar o próprio destino. Não foi a esperança que o pôs à frente de uma nação, mas o velho jogo do poder que ainda detinha o controle sobre as massas amedrontadas que se viam incapazes de se desgarrar dos velhos algozes, donos de suas vidas. O medo que o povo ainda tem de si mesmo. Medo este que o faz entregar seu destino incondicionalmente a antigas oligarquias quase monárquicas que o faz acreditar serem divinamente destinadas a dominar e conduzir, segundo a própria ambição, a vida dos mais fracos, destituindo-os da sua vontade sob um falso manto protetor que os aprisiona numa cínica noção de direito e igualdade calçada numa pseudo-liberdade que, na prática, é inexistente. Um povo que se nega a tentar compreender as regras de um jogo mesquinho do qual participa passivamente; que se deixa subjugar por regras a si impostas por aqueles que julgam mais fortes por falta de um esclarecimento que não lhes foi passado: de que todos os homens são iguais e a eles deve ser dado o direito de serem igualmente capazes de discernir sobre o próprio destino. Ele assumiu então a responsabilidade por um mandato que lhe foi dado, não como resultado decisivo da luta de seu povo pela própria emancipação, mas pelo descaso que esse povo já acumula por si mesmo, deposto de qualquer noção real de esperança. Alcançou o topo de uma pirâmide de poderes que se amontoam imiscíveis, cada qual em nome de si mesmo, e teve de negociar, mais uma vez, com os alicerces de um palácio magnífico de babel, a sustentação de seus princípios e do bem estar de toda uma população que entrava em conflito com o direito às mordomias de tão poucos. Viu-se obrigado a pôr de lado a sua bandeira e debater, insistentemente, aquilo que lhe parecia indiscutível: o direito de cada homem a sua dignidade deve superar os privilégios de tão poucos. Teve o seu exército degolado, com os princípios deturpados pelas falhas daqueles a quem confiou seus ideais mais profundos. Perdeu companheiros, mas se mantém firme na luta, ainda que limitado pelo jogo dos poderes oriundos das castas inimigas, e mais do que nunca, ciente das suas responsabilidades para com o seu povo. Que hoje deveria saber: que nenhum homem é maior do que a idéia que representa. Nem aqueles que acertam, nem tampouco aqueles que erram. E que nenhuma nação será verdadeiramente grande enquanto seu povo não se vir alforriado da opressão dos falsos líderes que o representam, passando a exercer o controle da própria organização social. Ao homem carente de ideologia não é dado o poder de escolher sabiamente os seus representantes, e a obrigação de fazê-lo sem tal ciência é nada mais que um irreal conceito de liberdade e nada menos que uma deturpação dos princípios da democracia.