"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

viernes, diciembre 24, 2004

três pontos
drinking tears

Aos dias de luta e euforia com a idéia de ser livre. Aos goles de misturas estranhas e bebidas baratas e sentimentos caros. Aos planos traçados e não concretizados, guardados na gaveta para serem expostos em dias mais amenos, que nos venham limpar o pó das juntas e das mentes nubladas da fatalidade que é a rotina dos adultos. Aos valores agregados em nosso peito. Inquietude, impaciência, incautos desejos e medos. Acumulados desde a mais tenra infância até a menos inocente atitude rebelde da torpe adolescência que nos atropelava com teorias e paixões e desesperos. Despreparo que nos impeliu a trafegar sobre as tênues paredes que uniam corpos e separavam faces distintas dos mesmos sentimentos que já impulsionavam nossos pais e que irão, um dia, fazê-lo por nossos filhos. Aos sonhos de paz, de grandeza, de liberdade, de sucesso, de vivências intermináveis e de muitos ‘algos-mais’ a que nos demos direito. Aos dias que já passaram e àqueles que ainda virão. Ao som das guitarras que rasgavam as madrugadas regadas a cerveja, habitat nosso de cada vida, e nos conduziam às dimensões confusas em que viviam nossas almas. Às canções construídas a quatro punhos e proferidas a dois verbos, trilha sonora da nossa ascensão disfarçada de decadência. Segredos sagrados guardados nas metáforas em verso e prosa. Às memórias gravadas no magnetismo de amizades e laços que se alargam, mas nunca se desfazem. E à saudade... das biografias que um dia leremos ao sabor de queijos e vinhos gelados. Aos fins de semana ‘best-sellers’, encenados como odes nos palcos deste teatro nostálgico que denominamos vida. Aplausos no agora ao nosso passado de tragédias e comédias infantis. De dramas e aventuras juvenis. De novelas e romances pseudo-maduros. De indecências em arpejos sem censura. Erguendo as taças ao vento e bebendo mais um gole de tudo isso. Mais do mesmo. Relembrando como era divertida a tristeza daqueles dias.

jueves, diciembre 16, 2004

três pontos
Corpo Estranho, Corpo Íntimo

Como se já não fosse o bastante ter invadido a minha vida dessa forma, sem pedir licença, sem bater na porta, sem sequer dar um aviso de “ei, estou aqui”. Você tem ainda a ousadia de se infiltrar em meu corpo desse jeito. Agressiva. Penetrando minha pele, invadindo minha alma, se aconchegando em meio às minhas vísceras e ficando. Sem permissão alguma. Como se já não fosse bastante atrevimento de sua parte implantar-se em meus pensamentos e sonhos você, ainda insatisfeita, tem a cara-de-pau de alocar em minha memória seu cheiro, seu jeito, seu gosto, seu toque. Para, através desses implantes, dominar a minha mente e meu corpo. Meus sentidos, que agora lhe pertencem, não conseguem mais distinguir outros olhos ou texturas de pele que não carreguem o código de suas barras. Garras que me dilaceram e separam as partes a serem digeridas por você. Não sem antes me mastigar, triturando minha carne crua e sangrenta, com suas presas enormes e afiadas. Passou a fazer parte de meu ser para que não pudesse expelir sua essência. Para ser invisível aos meus anticorpos e poder circular livremente pelas minhas veias, rasgando-as por dentro e me trazendo essa dor disfarçada de prazer. Como o efeito de uma heroína barata que gera êxtase e depois pavor. Alojou-se em meus pulmões como um edema. Lembrando-me insistentemente, a cada compasso de minha respiração, de sua torpe existência. Cresceu descontroladamente em algum ponto obscuro de meu ser como um tumor maligno, mas não invencível. Tornou-se parte de um passado tragicômico-dramático sem que fosse fatidicamente enterrada junto a ele. Tornou-me hospedeiro de um mal inesgotável que absorve minhas idéias e controla minhas forças ao seu bel prazer. Tornou-se vítima de seu próprio veneno quando passou a depender de mim, meu sangue, minha carne, meu organismo inteiro para suprir sua vida e manter sua sobriedade. Tornou-me vilão de minha própria história, antagonista de alma branca manchada de negro e vinho. Você e seu efeito sobre minha pele. De onde vou expulsá-la sem pesar, sem dó, sem medo de voltar a viver... só. Será extraída como um câncer, antes que me corrompa por completo. Arrancada de meu ser. Nem que pra isso precise perder uma parte de mim mesmo. Um pedaço podre de uma maçã destruída por um vil e asqueroso verme. Um pedaço que você consumiu o quanto pode para continuar vivendo. Um pedaço de carne morta que habita meu corpo e apodrece a minha alma. Um pedaço com o seu nome, Yin de meu Yang. Equilíbrio de forças que será quebrado para que eu renasça das suas cinzas.

jueves, diciembre 09, 2004

três pontos
Vaso de Mármore

Que parte de mim deixou de viver quando você virou-me as costas e seguiu em frente jurando que jamais olharia para trás?

Que parte de minh’alma, outrora dissecada pelo seu olhar e agora incrédula com o seu cinismo, se enegreceu e virou pó entre meus dedos trêmulos quando você estuprou a minha mente para deixar marcas tão profundas?

Que parte de minhas funções vitais ficou comprometida com a sua ausência? Que parte de meu cérebro tenta hoje se refazer? Reorganizando as sinapses para tentar reaver os destroços de minha mente que você levou consigo, deixando apenas memórias amareladas gravadas num CD quebrado.

Que parte de meu corpo me restou se tudo o que me pertencia era seu? Em verso, em prosa, em poesia. Em sede, em fome, em dor. Em prazer, em ódio, em amor.

Que parte de meu ‘eu’, confuso e casto, você levou consigo? Deixando-me apenas uma sombra de mim mesmo. Sombra sem luz, sem sol, sem forma e cor.

Que parte de mim foi embora com você? Que parte hoje me falta? Que espaço vazio é esse, sem referência, sem pista, sem uma lembrança qualquer do que já tenha sido, que ocupa meu superego enfermo?

Caminhando a esmo em busca do que eu sou.
Juntando os cacos de meu ser que você deixou jogados pelo chão.

Que parte de mim era você?
Que ocupava este espaço hoje vazio, frio e inóspito que me preenche de nada.
Que me transforma disforme.
Que me consome.

O que havia de mim neste canto hoje tomado pelo vácuo?
Ausência absoluta de tudo
ou nada.

Porque se um dia você me foi tudo,
Hoje, sem que você exista, até o nada já deixou de fazer sentido.
A não ser pela total inexistência de qualquer coisa que seja,
no caso você.