"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

viernes, marzo 18, 2005

três pontos
steps by tears

Decepção. Sensação de impotência. De inépcia. Torturar-se por ser incapaz de virar as costas para tudo e seguir outro rumo livre da culpa pelo fracasso. Desculpas que não consolam. Teorias que não provam. Suspeitas que não se confirmam. Dúvidas sem respostas. Perguntas que não se calam. Dores que não cansam de gritar, desde o fundo da alma, latejando em seu ouvido interno. Aglomeração de sentimentos confusos e amargos que rasgam as paredes do estômago e sobem até a glote, queimando o esôfago e mastigando o coração que ainda se contorce em busca de um lugar nesse peito apertado. Falta de ânimo, entusiasmo, força, coragem. Medo de continuar falhando, caindo, sentindo, doendo. Vontade de cerrar os olhos e se fechar em casulo. Tal qual uma borboleta que se recusa a voltar a ser lagarta. Esconder-se do mundo em si mesmo e esquecer que a vida passa lá fora, com o girar do planeta, enquanto a estática o domina. Inconformismo e desejo de mudar os sonhos, as pessoas, a vida e você mesmo. Descaso que não se quer fazer presente em meio ao desacreditar na desimportância dos fatos. Lágrimas que não se permitem chorar. E essa vontade inexplicável de abrir os olhos e erguer-se do chão novamente sem receio de voltar a cair quantas vezes forem necessárias. Até se aprender a caminhar sozinho.

miércoles, marzo 09, 2005

contos lúdicos
Olímpica

Atenas, aurora do século XXI. Quando adentrou o salão tomado por uma leve penumbra parecia que o próprio Apolo sangrava aquele templo levado por seus grifons a iluminar o ambiente. Seu brilho magnânimo clamava toda a atenção para si. Com sua beleza escultural conduzida com graciosidade por uma personalidade jovial, feminina e meiga. Graciosa em seu caminhar, aquela deusa parisiense, entidade quase mítica, desfilava pelos corredores tal qual uma imagem viva de Afrodite seguindo em direção à escada. Seus cabelos flutuavam sobre os ombros, tamanha a leveza de um caminhar elegante e, ao mesmo tempo, infantilmente desleixado. Subiu três degraus e em seguida... caiu. Tropeçou e foi ao chão, tomando ainda mais as atenções de todos, sem exceção. Ao levantar-se, aquele sorriso amarelo e envergonhado só amplificou ainda mais sua graça angelical que se espalhava pelos salões. Ergueu a cabeça e retomou seu caminho até tê-lo interrompido por um singelo e atrevido – psiu! De início fingiu não ter ouvido nada e prosseguiu, mas já observando atentamente pelo canto do olho cada pessoa a sua volta, como se querendo descobrir o responsável pela audácia. Psiu! Outra vez. Assim já é demais. Que é hein!? Tamanha surpresa estaria estampada em sua face delicada não fossem os óculos escuros que abaixava lentamente para melhor observar... a estátua. Estaria ela louca? Sabes quão graciosa és, não? Quem? Eu? Sim! Claro. Quem mais seria? Quem mais seria!? Quem mais seria você, ora. Sua expressão estupefata denunciava a confusão de pensamentos que se abatiam sobre si naquele instante. Não podia conceber a idéia, mas estava acontecendo e ela não era louca, pelo menos não que soubesse. Mas o seu interlocutor era mesmo a estátua logo a sua frente. Falou comigo? Sim. Quem mais neste recinto poderia ter-me chamado a atenção? De fato, ela chamava a atenção. Ainda mais agora. Aquela figura de formas bem modeladas, estática em pleno corredor, com seu belo rosto de menina bem postado sobre um escultural corpo de mulher feita, exalando seu perfume de anjo por todos os salões e vãos intermináveis de livros e mais livros, a desprender toda a sua atenção a uma única figura de bronze e mármore sem vida. Enquanto tantos transeuntes ali passavam desejando uma mísera migalha da atenção daquela guria e não recebendo nada. Por que não poderia ela também ser percebida por uma estátua? Tudo bem que a estátua a notasse ali, todo mundo nota, mas daí a conversar com ela... estátuas não falam. O que você quer? Nada. Sou apenas uma estátua, o que mais eu poderia querer a não ser um pouco de conversa? Conversa!? Sim, não quer sentar aqui e conversar comigo? Bem, eu estou com um pouco de pressa e... Não me negue o prazer de tão estimada companhia. Pensou um pouco. Que mal poderia fazer? Conversar não faria mal, muito menos com alguém que não pode se mexer. Sentou e passou toda a tarde conversando. E você vai dizer: mas estátuas não falam. Bem, esta falava, e bastante. Sobre música, esportes, filosofia, história greco-romana e até sobre aflições de menina. Voltou para casa feliz pela tarde agradável que teve. Charlote estava triste naquele dia, sua beleza radiante escondia um coraçãozinho apertado e tristonho. Ela é uma pessoa sensível. Não muito normal, mas quem quer ser normal? É autentica e meiga, mas com personalidade muito forte e isso a faz especial. E o que importa se alguém acha que ela é louca por passar a tarde inteira de papo com uma estátua? Já perdera tanto do seu tempo conhecendo pessoas de verdade que se revelaram mais falsas do que aquela pessoa de mentira...