"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

lunes, septiembre 26, 2005

divagar impreciso
Sabbath

Já desci aos portões do inferno tantas vezes que nunca imaginei que pudesse haver um lugar ainda pior. Existe: o porão. O fundo do poço de todas as metáforas. Um lugar aonde nada pode piorar ainda mais. É frio, escuro, úmido, sujo e fétido. Tão longe da superfície que não se pode enxergar a luz. Nenhum único raio de luz. As paredes ásperas se fecham num espaço tão pequeno que mal dá para se mover. A gente fica sempre de pé, tentando se sustentar sem ajuda das paredes o quanto der. O chão é tudo menos firme. Como uma mistura de areia molhada com lodo. Uma gosma que exala um odor tão forte que você nunca consegue se acostumar, por mais tempo que passe no lugar. Cada movimento dos pés faz o fedor subir mais e mais forte. Por isso é sempre melhor se manter estático. Poderia ser pior se os sapatos estivessem encharcados até as meias. Mas quem chega até aqui tem, por premissa, já estar descalço. A contra-gosto, claro. A viagem nem sempre tem volta. A sensação, o cheiro, as dores, na alma e nos músculos, parecem infindáveis. É como se o seu corpo fosse apodrecendo, se desfazendo como um leproso. Perdendo os pedaços lentamente, de modo a prolongar o sofrimento. Afinal, não se pode ir tão fundo para morrer tão cedo. É preciso penar. Nem todos aqui acumulam as mesmas culpas, mas todos dividimos a mesma conta. É o ambiente propício para se desistir de lutar. Frio, dor, culpa, amargura, desespero e medo. Não sobram sentidos no corpo para bons sentimentos ou emoções. Só para alimentar a pena de si mesmo. É preciso muita força para sair. Para subir. Força que se desmancha pouco a pouco na amargura que toma conta da sua alma. Ainda mais quando se consegue tomar fôlego e se ouve de imediato o ruído. Aquele barulho que a terra emite pouco antes de te tragar mais fundo. Um som que pode ser ouvido até na superfície, mas que só se torna evidente longe de todos os outros sons que lhe desviam a atenção. Apenas aqui, onde o silêncio e a solidão imperam, a não ser pelos barulhos emitidos pelo próprio corpo. E Este ruído. Da lama se assentando para descer mais, das paredes se afunilando, dos vermes e baratas se esgueirando por entre os dedos dos meus pés. Do meu corpo escorregando até os joelhos nesse caldo incolor de lodo, fungos e lama. É um aviso de que a minha jornada será ainda mais longa. Estou ainda fixando meus pés para subir. Depois de algumas semanas o sarcasmo intrínseco ao meu ser encontra uma válvula para emitir uma reação. Numa irônica e leve risada. Desce?