“além do mito que limita o infinito. além do dia-a-dia que esvazia a fantasia.”
Ainda hoje penso no que me faz pensar em você dessa forma. No que me fez pensar em você de tal forma. No que me faz falta e no que, na verdade, nem era mesmo importante. Em meio às minha tantas dúvidas e conflitos internos eu sei, que na verdade as respostas nunca me escaparam. É tudo apenas uma questão de perspectiva. Em meio a tantas inverdades que vida nos impõe, há aquilo que realmente vale a pena e aquilo que é efêmero e descartável. Como tantos seres que nos cruzam o caminho e se vão, sem deixar vestígio qualquer. Sem tocar nossas almas. O que sobra de importante de nós mesmos nos outros é aquilo que compartilhamos de verdade. Não apenas desejos e prazeres, mas prazeres e desejos profundos. É o que nos faz crer que para tudo há uma saída. Não é o prazer de uma conquista de uma noite apenas ou o saciar de um instinto vazio que se perde de repente num gozo. É aquilo que faz um encontro valer uma vida e que raramente se encontra, porque poucas pessoas sabem o que procurar para sanar o vácuo que lhes habita o peito. Não é tesão fumegante que queima como fogueira, nem paixão avassaladora que se apaga como vela. É a cumplicidade que se edifica a muito custo e cuidado. E que não se desmancha ou desbota nas tintas do tempo. Aquilo que me faz ver que um beijo sem alma são apenas lábios se lambendo e ter a certeza de que, por mais que eu seja vago, você ainda me entende. E entende a cumplicidade dos códigos, das meias palavras e entrelinhas que nos haviam e nos entrelaçavam em meio a tantos sem que ninguém percebesse. Dos nossos segredos e beijos secretos. Dos nossos olhares e piadas internas, aferindo encantos ao que era apenas melodia pueril. Das taças de vinho com pizza ou spaghetti. Da companhia. Conversas noturnas, madrugadas de prazeres que se desfiavam em diversos níveis ao nosso enlace e terminavam sempre num suave ‘bom dia’. Porque é no ‘bom dia’ que a magia se desfaz. É quando do que era encanto se faz sentimento. Sobre roupas intimas que habitavam o carpet e se trilhavam desde o sofá da sala até enroscarem-se entre os lençóis de uma cama que não era apenas minha, nem sua tampouco. E era, ambos ao mesmo tempo. Sendo um em dois que vivem a mesma vida. Uma vida nossa. Com o peso e a responsabilidade que se tem de uma vida que divide a mesma cama. Porque ‘nós’, nesse contexto, ganha uma força que seria ímpar se não fosse paradoxo. Porque ‘nosso’ é mais forte do que ‘meu’ ou ‘seu’ e implica, necessariamente, na inexistência de ambos e, ao mesmo tempo, na desistência de posses. É um contrato que se assina por baixo de lençóis e só se revoga sob a pena e a dor do flagelo à própria vida. Que, não sendo mais sua, implica em ser também de outrem. Em nós, não se assinam promessas ou dívidas, mas as certezas dos instantes que não podem ser tomados por terceiros. Os encontros que não podem ser vividos por terceiros. E as lições que não se aprendem com terceiros. E que se leva uma vida toda sem esquecer. Quando você me ensinou a abdicar da maldade, não me mostrou como abdicar de você. Isso eu tive de aprender sozinho. E como tudo o que se aprende sozinho nessa vida, também teve o seu preço. E tão caro quanto abrir mão da liberdade, também o é abdicar da saudade. Do carinho, da companhia, do abraço quente, dos olhares, da ternura, das lágrimas divididas e dos sorrisos compartilhados. Da mão firme que te conduz através da dor, da mão suave que lhe conforta na escuridão. Das palavras e olhares trocados em madrugadas de calor em meio ao frio das ruas. Dos detalhes, manias, rotinas, risadas, afagos, caretas, piadas, próprias e impróprias. Dos programas, saídas, bebidas, cores, cheiros e gestos que só se sabem entre nós. Das dúvidas e certezas que só se constroem em duplas e daquilo que só se cabe entre nós. Dos muitos e nadas a fazer juntos e sempre juntos e apenas juntos e até dos pequenos detalhes separados que se diluem nos parcos espaços que se vivem juntos. Dos desejos e saudades e medos e ansiedades. Daquilo que só se revela em silêncios e particulares, aquilo que só eu lhe sei e apenas você me sabe. Dos segredos de alcova e do colo onde se dorme o sono dos anjos. De tudo que nos traz a certeza de que, mesmo quando não houver mais tesão, ainda assim será um belo dia. Isso é o que se chama cumplicidade. Todo o resto é apenas confete e nada mais que poesia.