"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

lunes, febrero 20, 2006

divagar impreciso
quando não houver mais carnaval...

“além do mito que limita o infinito. além do dia-a-dia que esvazia a fantasia.”
Ainda hoje penso no que me faz pensar em você dessa forma. No que me fez pensar em você de tal forma. No que me faz falta e no que, na verdade, nem era mesmo importante. Em meio às minha tantas dúvidas e conflitos internos eu sei, que na verdade as respostas nunca me escaparam. É tudo apenas uma questão de perspectiva. Em meio a tantas inverdades que vida nos impõe, há aquilo que realmente vale a pena e aquilo que é efêmero e descartável. Como tantos seres que nos cruzam o caminho e se vão, sem deixar vestígio qualquer. Sem tocar nossas almas. O que sobra de importante de nós mesmos nos outros é aquilo que compartilhamos de verdade. Não apenas desejos e prazeres, mas prazeres e desejos profundos. É o que nos faz crer que para tudo há uma saída. Não é o prazer de uma conquista de uma noite apenas ou o saciar de um instinto vazio que se perde de repente num gozo. É aquilo que faz um encontro valer uma vida e que raramente se encontra, porque poucas pessoas sabem o que procurar para sanar o vácuo que lhes habita o peito. Não é tesão fumegante que queima como fogueira, nem paixão avassaladora que se apaga como vela. É a cumplicidade que se edifica a muito custo e cuidado. E que não se desmancha ou desbota nas tintas do tempo. Aquilo que me faz ver que um beijo sem alma são apenas lábios se lambendo e ter a certeza de que, por mais que eu seja vago, você ainda me entende. E entende a cumplicidade dos códigos, das meias palavras e entrelinhas que nos haviam e nos entrelaçavam em meio a tantos sem que ninguém percebesse. Dos nossos segredos e beijos secretos. Dos nossos olhares e piadas internas, aferindo encantos ao que era apenas melodia pueril. Das taças de vinho com pizza ou spaghetti. Da companhia. Conversas noturnas, madrugadas de prazeres que se desfiavam em diversos níveis ao nosso enlace e terminavam sempre num suave ‘bom dia’. Porque é no ‘bom dia’ que a magia se desfaz. É quando do que era encanto se faz sentimento. Sobre roupas intimas que habitavam o carpet e se trilhavam desde o sofá da sala até enroscarem-se entre os lençóis de uma cama que não era apenas minha, nem sua tampouco. E era, ambos ao mesmo tempo. Sendo um em dois que vivem a mesma vida. Uma vida nossa. Com o peso e a responsabilidade que se tem de uma vida que divide a mesma cama. Porque ‘nós’, nesse contexto, ganha uma força que seria ímpar se não fosse paradoxo. Porque ‘nosso’ é mais forte do que ‘meu’ ou ‘seu’ e implica, necessariamente, na inexistência de ambos e, ao mesmo tempo, na desistência de posses. É um contrato que se assina por baixo de lençóis e só se revoga sob a pena e a dor do flagelo à própria vida. Que, não sendo mais sua, implica em ser também de outrem. Em nós, não se assinam promessas ou dívidas, mas as certezas dos instantes que não podem ser tomados por terceiros. Os encontros que não podem ser vividos por terceiros. E as lições que não se aprendem com terceiros. E que se leva uma vida toda sem esquecer. Quando você me ensinou a abdicar da maldade, não me mostrou como abdicar de você. Isso eu tive de aprender sozinho. E como tudo o que se aprende sozinho nessa vida, também teve o seu preço. E tão caro quanto abrir mão da liberdade, também o é abdicar da saudade. Do carinho, da companhia, do abraço quente, dos olhares, da ternura, das lágrimas divididas e dos sorrisos compartilhados. Da mão firme que te conduz através da dor, da mão suave que lhe conforta na escuridão. Das palavras e olhares trocados em madrugadas de calor em meio ao frio das ruas. Dos detalhes, manias, rotinas, risadas, afagos, caretas, piadas, próprias e impróprias. Dos programas, saídas, bebidas, cores, cheiros e gestos que só se sabem entre nós. Das dúvidas e certezas que só se constroem em duplas e daquilo que só se cabe entre nós. Dos muitos e nadas a fazer juntos e sempre juntos e apenas juntos e até dos pequenos detalhes separados que se diluem nos parcos espaços que se vivem juntos. Dos desejos e saudades e medos e ansiedades. Daquilo que só se revela em silêncios e particulares, aquilo que só eu lhe sei e apenas você me sabe. Dos segredos de alcova e do colo onde se dorme o sono dos anjos. De tudo que nos traz a certeza de que, mesmo quando não houver mais tesão, ainda assim será um belo dia. Isso é o que se chama cumplicidade. Todo o resto é apenas confete e nada mais que poesia.

martes, febrero 07, 2006

curtas
Central do Brasil

Quando o viu na parada de ônibus seu coração deu um salto. Percebeu que ele iria subir e se olhou no reflexo da janela. Ajeitou o cabelo, se endireitou na cadeira rapidamente e ficou aguardando. Ele era exatamente o seu tipo de homem. Achou-o muito bonito e simpático logo de cara. Desejou imediatamente conhece-lo. Se acreditasse em amor a primeira vista pensaria que era este o caso. E mesmo não acreditando, já estava quase pensando o mesmo. Ele subiu no ônibus e já a viu antes mesmo de procurar um lugar para sentar-se. Observou todos os assentos e percebeu-a olhando para si. Até que virou o rosto. Olhou para a rua e, em seguida, abriu a bolsa e começou a mexer lá dentro. Pensou em sentar ao seu lado, mas não percebeu nenhum tipo de retorno aos seus olhares. Desistiu. Sentou a sua frente, sempre a olhando fixamente. Sem se mover. Ela ergueu os olhos um instante, deixando a bolsa de lado e fitou-o mais uma vez, voltando-se repentinamente para o chão logo depois. Ele simplesmente sorriu. A viagem era longa, havia tempo. Ele ia permanecer ali sentado. Observando e aguardando um sinal verde. Qualquer forma de pedido de aproximação. Pacientemente. Ela permaneceu toda a viagem assim, inquieta. Revirava os olhos e fitava o chão, o teto, a janela, a rua, os outros passageiros, mas nunca ele. Orgulhosa demais. Preferia ficar ‘na dela’. Ele a observava atentamente e, diante de suas constantes fugas de olhares, apenas sorria. Sorria e continuava observando. Pensou em se levantar e sentar-se no banco vazio ao lado da moça, mas, não recebendo nenhum tipo de retorno às suas investidas, não viu motivos para trocar de lugar. As paravas se seguiam, umas as outras. Enquanto ela ficava nervosa com aqueles olhos que não desistiam de observá-la e aquele corpo que insistia em permanecer distante. Até que chegou a vez de seu terminal. Ergueu-se e foi até a porta, posicionando-se próximo a ela, sem nunca tirar os olhos de cima da garota. Ela se enervou mais uma vez. Seu coração disparou e, instintivamente, virou o rosto para a janela da rua, com ar de abuso. Mais uma vez, ele apenas sorriu. Pensou em encará-lo também. Em devolver o sorriso. Mas era orgulhosa demais para tanto. Queria que ele falasse com ela, mas não queria puxar conversa. Morria de medo de parecer fácil. Tinha pavor de parecer oferecida. Ele se postou em frente a ela e apenas manteve-se observando. Aguardando. Esperando por um sinal qualquer. Um olhar, um sorriso, um gesto, até uma mexida no cabelo já servia. Mas não teve nada. Não recebeu nenhuma resposta senão a indiferença. E como não era médium ou cartomante, deduziu o óbvio: sem chance. “Será que ele não vai fazer nada?” pensou. “Não consegue enxergar o que está tão claro na frente dele?” Será mesmo? Percebendo a redução na velocidade do ônibus, posicionou-se para descer e deu uma última olhada, na esperança de alguma resposta positiva. Baixou a cabeça, com ar de desapontamento e torceu a boca. “Fazer o quê?” pensou. Desceu as escadas enquanto ela levantava o olhar rapidamente. Apenas para perceber o semblante desapontado do seu pretenso-suposto-pretendente que já ia embora. Colou-se na janela e, quando ele se virou para um último olhar, jogou-se assustada de volta na cadeira. Passou o resto do caminho chamando a si mesma de burra e imbecil. Nunca mais se viram, desde então.