"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

viernes, octubre 21, 2005

três pontos
Strawberries

Nada como dores novas para arrefecer as dores antigas.
Da próxima vez que vieres alojar-se dessa forma causticante em meio às minhas víceras com tanto desconforto gostaria que, ao menos, tentasse mandar aviso com antecedência para que eu possa guardar espaço em minhas entranhas para hospedar, sem tanto desprazer e desespero, à senhora e a todos os seus servos hediondos que a acompanham sempre. A mentira, em primeiro lugar. Que esconde fatos, destrói a confiança, desmonta relações e é capaz de desfazer um mundo sobre os pés dos homens. É como uma lápide sobre uma verdade enterrada viva. Quando se quebra, a verdade que dali emerge sempre causa dores incríveis. Quanto mais antiga for a verdade enterrada, maior a dor que ela provoca ao sair. A culpa e o arrependimento também. Que sempre caminham juntos. Atormentando a alma e mutilando a mente. Encurralando os sentidos e provocando cada vez mais erros. O ódio, que ofusca a sensibilidade humana e nos impede de enxergar o perdão. Que se alimenta de nossas fraquezas e nos torna cada vez mais susceptíveis a afundar em mais sentimentos ruins. O mais poderoso de todos os seus servos, capaz de destituí-la de seu papel de efeito para realocá-la na posição de causa, onde se torna ainda mais perigosa e implacável. Nem ouso falar também do seu irmão mais próximo, o amor. Sob o risco de me retumbar piegas e desnecessariamente vago. Quero também aproveitar para guardar um mínimo espaço em meu peito. Não para a senhora, que nele por vezes nem cabe, mas para a vida. A quem conhecemos através de ti e por quem sempre caímos em retorno ao vosso seio febril. A quem, em sua completude, nos recompensa com outros presentes em contra-peso. Um espaço mínimo que seja, para que possa guardar em mim uma reles lembrança da beleza da natureza e das pequenas coisas da vida que ainda conseguem me fazer sorrir. Ainda que ínfima e timidamente.

viernes, octubre 07, 2005

divagar impreciso
Piés Descalzos

Sabe o que é ter preguiça de existir? Não é preguiça de agir, de fazer, de falar ou ouvir. É quase como uma preguiça de estar vivo, mas pior. Sabe o que é ter vontade de sumir? Não sumir no sentido figurado de querer desaparecer dos olhos dos outros (ou de todos), mas de sumir mesmo. Sumir do mundo. Deixar de fazer parte dele por uns tempos. Tipo como ser congelado num bloco de gelo e lá permanecer até que a medicina futura seja capaz de encontrar uma cura milagrosa para a falta de saco. Essa sim, no sentido figurado, por favor. Já se sentiu sozinho? Sozinho mesmo, não solteiro. Não solitário ou sozinho numa luta ou em um ideal. Não por falta de alguém a quem recorrer. Está mais para ser contemplativo, como quem se sente sozinho dentro de si mesmo ou dentro de seu próprio mundo, porque no mundo externo não se encontra abrigo ou algo a que se ajustar. É como estar num quarto escuro, sem portas ou janelas, sem luz, paredes ou chão sob os pés. Ouvindo apenas os ruídos emitidos pelo próprio corpo. É como sentir-se só através de uma avenida movimentada ou no meio de um show de rock da sua banda favorita. Num mundo que não lhe pertence, na multidão que não lhe contém. Parece estranho sentir-se só e ainda querer sumir? Mas é estranho mesmo. A solidão é a pior das prisões. É como se não houvesse nada que lhe impedisse de sair de onde está, mas também não restasse lugar algum para aonde ir. É como gritar sem ser ouvido, sequer por si mesmo. É como querer lutar, mas só ter a si mesmo para vencer, e ainda assim continuar perdendo. Render-se ao flagelo da miséria humana por não conseguir enxergar por outros olhos que não os seus próprios vícios. É não poder ser compreendido porque o ser humano só consegue enxergar a amargura que existe em si mesmo. Aquilo que emana do coração dos outros é tão somente um reflexo opaco dos seus próprios sentidos. Mas e você? Já teve preguiça de existir?