Descurpa de vim até aqui atrapalhá a viagem de ocês, mas não é uma questão de escolha é de necessidade. Eu posso ter vindo de uma cidadezinha pequena no interior do nordeste, ou talvez tivesse nascido nargum gueto suburbano bem aqui perto mermo. Não faz muita diferença. O que faz é a condição em que me encontro agora. Desempregado, com a patroa adoentada e cinco filhos pequenos para cuidá. Há meses não consigo trabalho e nem uma vaga no hospital pra que minha mulher seje cuidada. Eu não tenho nem o suficiente para pagar a passagem de vorta pra casa e sequer para alimentar minhas crianças. Estou aqui pedindo uma ajuda a vocês porque é melhor do que roubar ou matar. Não tenho vergonha de fazê-lo porque ela, e a dignidade, já perdi há tempos. Talvez eu seja mais uma vitima dessa sociedade capitalista e mesquinha que não dá oportunidades a quem vem de baixo. Talvez não tenha tido a chance de me escolar, de aprender a ler ou escrever e tenha sido obrigado a começar a trabalhar desde muito cedo. Cuidando de carros nas ruas, lavando-os e pedindo um trocado nos sinais para comprar um pão e matar a fome de meus irmãos menores. Poderia ter me tornado um criminoso, um bandido, um viciado ou até mesmo um traficante. Poderia ter matado para comer. Para sobreviver. Podia ser um ex-detento arrependido, que no auge do desespero sucumbiu a uma atitude desesperada, com o perdão da redundância em minha frase, e foi parar numa cela imunda para conviver e aprender a sobreviver entre os indivíduos da pior espécie de nossa sociedade consumida pelo ódio e a violência e a desigualdade e a injustiça. Posso realmente ter saído da cadeia e tentado me redimir, colecionando insucessos ao longo da jornada infrutífera e cada vez mais angustiante da reabilitação social. Talvez a falta de oportunidade tenha me relegado ao posto de assistente de pedreiro e negado a chance de aprender um oficio de maior dignidade. Ou status. Nada disso justifica um comportamento criminoso, mas talvez eu nunca tenha caído no crime. Ou talvez nunca viesse a cair se alguém tivesse me estendido uma mão. Talvez eu tenha tido todas as oportunidades de construir algo de bom na minha vida, e talvez eu tenha estudado, concluído o colégio, mas nunca tenha conseguido uma chance de prosseguir estudando numa faculdade porque essa chance é negada àqueles de classes sociais desfavorecidas. Ou talvez eu tenha tido o privilégio de me formar dotô e isso não tenha me rendido um emprego que me garantisse um mínimo de dignidade. Talvez eu tenha sido obrigado a casar cedo, por falta de uma orientação que me impedisse de cometer o delito de trazer ao mundo uma criatura inocente para viver entre os porcos desse mundo podre e moderno. Talvez isso tenha consumido todos os meus sonhos e me jogado em uma avalanche de má sorte que me trouxe até aqui. Cinco filhos, uma esposa doente, nenhum emprego e ninguém a quem recorrer. E eu ainda nem atingi a maturidade suficiente para tanto. E aí você vai dizer q isso é frescura e eu lhe pergunto: quantos anos você espera ter ao atingir a sua? A sua geração não é a mesma que foi adolescente até mais tarde? Vivendo com os pais até quase trinta e tentando ainda se aceitar e ajustar. Quem lhe disse que você já é adulto? Eu lhe digo que você não vai saber quem eu sou. Eu posso ter sido o seu professor de colégio antes de tudo dar errado. Eu posso ter sido o moleque de rua com quem você brincou na infância, até que seus pais descobriram e o levaram pra longe de mim. Eu posso ter sido o flanelinha que lavou o para-brisas do teu carro. Eu posso ter sido o delinqüente que lhe roubou aqueles tênis caros. Eu posso ter sido seu colega de classe e ter tomado um rumo totalmente diferente do teu. Eu posso ter sido teu colega de faculdade e ter tropeçado e caído num abismo do qual jamais sairei. Eu posso ter sido o homem que roubou as jóias da tua avó no sinal de trânsito e matou o teu pai com um tiro no peito num momento de profunda loucura, fome e desespero por não conseguir ajuda para salvar a vida da minha mulher, que agonizava entubada numa cama de UTI. Eu posso ter sido muitas coisas e talvez você nunca tenha me visto e jamais me veja de novo em tua vida. Eu vim até aqui pedir ajuda, porque não tenho mais nada a perder e mais ninguém a quem recorrer. E eu poderia ter sido seu pai, ou até mesmo você, se tudo tivesse, simplesmente, dado errado. Por fim eu quero agradecer a todos vocês que me ajudaram e também aqueles que, por um motivo ou outro, não puderam fazer o mesmo. Quero agradecer ao cobrador que me deixou subir pela porta de descida. E que Deus abençoe a todos vocês...
esse texto pode ter sido baseado em fatos reais, ou pode ter sido apenas um delírio do autor. mas você certamente já ouviu uma história parecida em sua vida. verdade ou não, quaisquer semelhanças com fatos reais não terá sido mera coincidência. a pergunta é:
que tipo de sentimento ou reação isso ainda provoca em você?