Eu sei que não sou nenhum pouco fácil. Não costumo facilitar muito as coisas e, freqüentemente, tenho o mau hábito de dificultá-las bastante. Como quando pareço absurdo. Como quando pareço sarcástico. Ou quando parecia não me importar com seus caros apelos e era, na verdade, apenas a minha forma torta de lidar com o sofrimento e a dor iminente. Negando-me a encará-los de frente. Como se não importasse como ou onde fosse, seria sempre difícil de viver os fatos. Como ainda é difícil aceitar a idéia de subtraí-la como se não tivesse a importância que na verdade sempre terá. Mesmo sabendo que é parte do fardo da vida e da constante evolução. E como fingir que não importa o quanto isso lhe importa e lhe diz respeito? Se sempre me importa o quanto isso lhe importa, e sempre importará. Se sempre terá de mim o mesmo carinho e a mesma ternura que lhe dispenso agora e desde sempre. Tudo igual, ou quase. O que não significa que me prendi ao passado ou deixei de viver o futuro. Já faz tempo que aprendi a viver sem você e há muito já me habituei a viver completamente sozinho. Ainda assim, não é difícil perceber que isso não me é, nem nunca será, confortável. E quem se refaz por completo de todas as suas perdas? Ninguém, por certo... Eu sei que você reconstruiu sua vida e, mesmo sendo isso que eu realmente queria, ainda me é estranho encarar as novas formas do mundo à minha volta e tornar-me indiferente à falta que me faz. Você e a nossa vida. Sobretudo a nossa vida. É uma certa resistência às mudanças inevitáveis que se contrapõe ao pavor que mantenho enraizado por tudo aquilo que é imutável. Embora reticente, eu gosto das mudanças freqüentes e das idas e vindas constantes a que me submeto. Das trocas de rumo, mudanças de rota, vislumbres de novos e revistos horizontes. Gosto quando o mundo se refaz em cores diferentes e até dos tons de cinza que se desmembram dos pretos no branco dos meus olhos. Mas são as cores amareladas dos tormentos pretéritos que abomino e procuro evitar. Não sou preso ao passado. Mas às emoções e sabores ainda presentes na lâmina amarga da saudade que perfura minha carne. Principalmente quando invade espaços ainda não preenchidos de meu corpo. Deixando vazar junto ao sangue lembranças, cheiros, gostos, cores, texturas, imagens, risadas e choros e sons de respirações, músicas e suspiros. E quando a vida se reconstrói ao longo da envergadura de meus braços, embora isso implique sempre, e inevitavelmente, em demolição e desmanche de alguns dos pilares já estabelecidos e, freqüentemente, bastante sólidos. Implodindo em angustias e feridas expostas, muitas delas profundas. Em meio a dúvidas inquietantes e certezas angustiantes que transpiram da minha natureza conflitante. Da minha impulsiva coragem de ir, mais e mais longe. Por não saber ser ainda a hora de ficar. Ou por não saber ter ainda a coragem de parar. Por não conseguir poder decretar o sempre adiável deflagrar do inevitável momento de ser, enfim, estável. Um ir com sabor de vitória misturado a um deixar com gosto de saudade. Uma apreensão carregada de tristeza e medo de um futuro familiarmente estranho. Pode ter sido profunda dor, mas a verdade é que: no fundo, no fundo, tudo o que eu sei fazer é partir.