Apegou-se àquelas falsas teorias como se realmente nelas acreditasse piamente. Como se precisasse urgentemente de algo em que acreditar. Vitalmente. Como quem precisa de ar para respirar. Como se o coração lhe pedisse um empurrão para bater. Incapaz de depositar sua fé em qualquer coisa que lhe dessem de mão beijada. Criou por conta própria aquilo em que sustentaria as vigas de que tanto necessitava para reerguer-se daquela vida miserável e atormentada na qual se deixou cair. Por vicio de ser sempre levado pelo vento, se sentia incapaz de levantar a cabeça sozinho. Agregou em si a tristeza do mundo e creditou a terceiros a visão de um novo caminho para livrar-se da culpa insustentável pelas mazelas de seus dias entregando-as a quem lhe fosse maior. Mergulhou e esqueceu. Quando tentou olhar para trás já não via mais vida, humanidade, força, vontade. Tornou-se escravo de suas criações, sem que estas ao menos tivessem vontade própria. Ficou a mercê da própria covardia. À deriva. Até que fosse enfim resgatado de dentro de seu mundo por alguém externo a suas ilusões e lançado de volta aos tormentos da realidade. Sofreu como supunha ninguém poder suportar. Tremia dos cabelos da nuca às unhas dos pés. Sentia o frio, a dor, a angustia, a falta. Sentia o ar puro penetrar os seus pulmões e rasga-los como se fora recém nascido. Sentia uma dor que desfazia suas esperanças e não conseguia compreender como alguém mais ainda poderia lhe dar alguma confiança. Vivia numa realidade incompleta. Seu mundo estava escondido em algum ponto desconhecido do cérebro, seu corpo não suportava o mundo físico e sua mente não concebia a própria existência. Seguiu sendo metade de si, agregando, pouco a pouco, cada um dos pedaços que havia perdido desde o seu mergulho covarde no próprio esquecimento. Cada parte que reencontrava trazia de volta mais uma parcela de dor e culpa e memórias terríveis que preferia não ter. Era o processo do renascimento, sofrível e necessário, que se prolongaria ainda por um longo tempo. Mas sua vontade ainda estava perdida. Seguiu buscando por aquilo que os outros lhe diziam ainda existir dentro de si, numa caminhada que parecia interminável. Pegou um desvio num escorrego da própria auto-flagelação. Deu de cara com o beco, se viu de frente para o frasco. O vício. Um novo mergulho e seu mundo se refazia. Falso, porém inteiro. Imergiu. Retornava ao esquecimento das dores e pesadelos e alguém mais desistia de si. Para sempre. Quantos mais ainda terão de esquecer?