"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

lunes, noviembre 29, 2004

três x quatro
in natura

não tenho nenhuma opinião para emitir. faço agente passivo nesse contexto. o que você quiser para mim está bom. nunca vou entender todo o esforço e as horas que desperdiça de frente para esse espelho. olhando, olhando, provando, testando, vestindo, despindo, arrumando, desgostando, mudando e voltando sempre para os mesmos e simples modelos. tanto trabalho que se perde no meu olhar desatento. não, eu não sou desligado. notei a sua presença tão logo ela se fez sentir no recinto e desde então não deixo de olhar para cada detalhe de seu rosto. de admirar sua atitude, sua personalidade, sua meiguice, sua bondade, sua beleza, suas peculiaridades. talvez aluado, mas nada pertinente. se não percebo, por um lado, a tão bem cuidada maquiagem, o novo penteado, as novas roupas, os novos sapatos, noto, rapidamente, o entusiasmo que transparece em seu semblante a cada novidade. não vejo porque isso deva incomodá-la. um dia terá de aprender que a mim não importa o rótulo e a embalagem, mas apenas a qualidade do produto. e que culpa eu tenho de não ser fútil? não gosto do fútil. até aceito o supérfluo, mas o fútil jamais. gosto do simples, não do simplório. não só os metidos são chatos, os simplistas também o são. mas pior do que os metidos a besta são aqueles que se acham demais sem ser. como essa maioria machista ignorante que cria paradigmas de futilidades a serem seguidos cegamente. estúpido é o homem que não consegue perceber a real beleza de uma mulher a não ser por intermédio de sua produção. não acho necessário todo o dispêndio de energia no uso de pinturas no rosto, na pele ou nas unhas, nem no acúmulo e escolha de vestidos e sapatos e saltos e acessórios, para ao final lançar sobre mim o mesmo olhar maroto de sempre que é seu, até mesmo quando acorda. eu já disse que você nunca é tão linda quanto quando acorda com esses olhos inchados, o rosto amassado e aquele pijama velho amarrotado. a real figura de uma mulher só se percebe quando ela dorme. sem disfarces. sem produções... eu sei que você pergunta de forma retórica, esperando apenas uma resposta que amacie seus ouvidos, mas não a minha. eu já lhe disse que por mim tanto faz. é difícil de entender? eu sou assim. gosto de mulher ao natural. de rosto limpo e jeito simples. por mim tanto faz o vestido longo ou as horas no cabeleireiro. nem sequer vou notar diferença no brilho de seus olhos, que são sempre os mesmos. eu não prefiro roupa alguma, ou melhor, prefiro até nenhuma. descalça e descabelada melhor ainda. e sem pintura no rosto, de mascaras já me bastam as emocionais que ostentamos todos os dias. eu ainda procuro para mim uma mulher sem mascaras, ao menos comigo, com quem não precise usar as minhas. será tão difícil entender que é assim mesmo que eu sou? que é disso mesmo que eu vivo? do substancial, que nem sempre é palpável... mas, se faz tanta questão da minha opinião, tudo bem... eu acho que, melhor do que tudo, você fica muito bem com essa camiseta branca básica, uma calça jeans e aquele tênis vermelho. e sem maquiagem nenhuma, por favor, eu detesto gosto de batom.

martes, noviembre 23, 2004

divagar impreciso
Fumaça e Espelhos

Não olhe para mim com essa cara de peixe morto como que querendo induzir-me pena de sua vida caricata e sem motivos. Você já me tocou em todos os sentimentos a que lhe dei direito e continua querendo mais. Vem pedir-me por mais do que a sua reles personalidade de borracha pode suportar sem começar a perder a forma. Sem começar a ceder. Não quero ouvir mais uma palavra de seus conselhos sem fundamentos, forjados em sua pseudo-experiência e visão de mundo que na verdade você sugou de mim na tentativa de preencher esse enorme vazio que lhe habita por inteiro e essa carcaça frágil e quebradiça que está agora prestes a se desmanchar diante das verdades que lhe digo. Sermões que reverberam na sua cabeça oca, recheada de teorias depositadas por mim, vindo à tona desde o âmago da alma que você nunca teve como se expelidas do seu estomago em meio a vômitos que me devolvem a essência da qual você se alimentou por tanto tempo e que fizeram de você essa criatura de verdades disformes bem aqui na minha frente. Um reflexo mal-formado e sem vida de mim mesmo. Moldado e manipulado à minha vontade para parecer aquilo que não é. Um clone com personalidade escravizada e inteiramente dependente de emoções que não lhe pertencem. Um ser desprezível, cuja existência sempre esteve atrelada ao consumo exagerado de doses e overdoses dos sentimentos que lhe permiti beber até que se tornassem um vício de vital importância a sua sobrevivência. A sua existência se resume a isso. Uma opaca projeção de meus sonhos que resvalam num plano de fundo negro e tomam forma de uma silhueta cinza batizada com o seu nome. Uma criação de minha mente para dar vazão a desejos caóticos escondidos em uma alma tímida e atormentada. Uma válvula. Personagem que se manifesta sob o meu julgo para permitir o resguardo de minha personalidade dividida. Não exija coisa alguma de mim, pois não terá retorno qualquer a não ser aquele que me convir. Não lhe devo nada que não me seja da vontade. Pois, por trás dessa imagem translúcida refletida numa vidraça de onde ao fundo me observa e condena, você não passa disso: uma sombra sem rosto que me sorveu tudo o que pôde, se apossando de minhas verdades para dar forma a suas palavras sem voz própria. Eu assumo o controle agora.

lunes, noviembre 15, 2004

divagar impreciso
Phoenix

foi por provocação. você do seu lado da linha e eu aqui, conectados via embratel para discutir e divagar acerca da veracidade dos fatos, da realidade da vida que se molda, da sem-vergonhice masculina e dos nossos erros e acertos. costurando alguns pontos soltos na malha que se desmancha como um véu de noiva em noite de núpcias sedenta de desejo e aterrorizada de medo. foi provocação e nós caímos, ambos, na mesma armadilha preparada, desmontada, remontada e desarmada tantas vezes quantas fossem necessárias até que aprendêssemos a lição. suas palavras, que não se faziam presentes há tempos, a não ser impressas em papel ou compostas por tonalidades bem definidas de verde-azul-vermelho projetadas no tubo de imagem do meu monitor, finalmente podiam ser ouvidas de novo. codificadas, digitalizadas, transformadas em microondas, transmitidas por rotas além da atmosfera e decodificadas em meu celular, elas me abriram, enfim, os olhos para verdades há muito não ditas com tanta veemência e convicção, que por vício e comodismo eu havia jogado num canto subconsciente para que não continuassem a me incomodar. e você, de seu canto, falando e falando e imaginando a minha cara de desgosto ao ouvir aquelas frases sem esboçar a mínima reação, não podia perceber o que se passava deste lado do continente, tão distante, dentro de um apartamento pequeno de mobília rarefeita e sem testemunhas oculares. onde num canto esquecido, entre um móvel e duas paredes adjacentes, meus olhos recém abertos puderam perceber uma presença a mais. de dentro de um casulo pequeno e apertado que se abria diante de mim, um elemento extra se fazia surgir. algo que rapidamente tomou-me toda a atenção relegando você ao incomodo e ensurdecedor ruído de estática. a incerta natureza daquilo que eu acabara de descobrir começou se tornar menos turva e cada vez mais significante. num primeiro ímpeto de tocá-lo fui seguro pelo natural receio do desconhecido, que me levou a jogar uma meia suja apanhada do chão para estudar as reações envolvidas. a curiosidade aumentava à medida que me aproximava do objeto escondido naquele canto inóspito, imóvel como a laje de uma cova. vivo não era, pois não se movia. também morto não parecia, pois o cheiro denunciaria. era algo estranho, não vivo e não morto, sendo então, por exclusão, inanimado. mostrando, portanto, que não se tratava de uma presença, mas sim de uma existência a mais. além de mim. além da sua voz. algo em que, seguramente, eu não deveria por a mão sem antes observar com uma lanterna. prossegui minha aproximação enquanto minhas pupilas se dilatavam para permitir a minha retina perceber as formas existentes no interior daquele vulto que se escondia. o sobressalto me veio ao perceber a real natureza da peça que brotava daquele casulo. aquilo... era eu. um eu não vivo e não morto, nem semi-vivo tampouco. um eu inanimado, nunca antes desperto e que jazia ali, aguardando ser trazido à luz. alguém que não era objeto, mas que também nunca antes foi sujeito. novo, puro, casto. estendi meu braço até alcançar aquela figura por trás do armário pesado e, quando toquei sua face, pude sentir a vida que escoava pelos meus dedos e pernas e cabelos e descia até os pés como água no ralo do chuveiro e me deixava, enquanto a luz que penetrava minhas córneas se apagava como um sopro numa vela. deixei o telefone cair no chão ao desabar do meu corpo sem vida e a célula que me ligava a você via satélite perdeu a conexão. o aparelho foi apanhado por alguém nascido ali, sem testemunhas, sem batismo, sem choro. e o seu telefone permanece gravado como uma chamada ainda a ser completada. até que um dia você receba uma nova ligação deste número, não mais realizada por mim.

sábado, noviembre 06, 2004

três pontos
Conjuntiva

A última parte de minha personalidade que se perdeu em meio aos vasos sanguíneos que irrigam meu cérebro preguiçoso levou consigo um pedaço ainda maior desta minha já reduzida vontade de retomar as rédeas do meu corpo e reabastecer os meus sonhos, outrora tão grandes. Meus instintos vão tateando cada pedaço do meu âmago na tentativa infrutífera de encontrar qualquer parte de meu ser que se disponha a abandonar o tutano e emergir à epiderme para recobrar-me a forma. Mas tudo que se pode sentir em meu interior é essa alma retraída e cansada que se recusa a levar os olhos à janela com medo de observar o mundo. Fazendo deste corpo meu cárcere privado. Uma carcaça aparentemente vazia e desprovida de ânimo. Uma máquina inoperante aguardando manutenção. Não há nada que o tempo não cure, mesmo que de forma falha e deformada. Busco, num último suspiro consciente, atravessar a porta que separa os corredores úmidos de minha mente, obscurecida pelas teorias incautas e incompletas que ainda teimam em ecoar por entre os vãos de minhas vísceras, enquanto às mesmas se liquefazem em pavor, até alcançar a luz opaca que incide do outro lado. Erguer a cabeça e fitar o olhar vermelho no espelho até convencê-lo, da forma mais incisiva que estiver ao meu alcance, de que ele não passa de uma grande fraude. Para enfim voltar a dormir e, com a mente despoluída de minha própria maldade, esperar para abrir os olhos quando as paredes brancas do meu quarto não mais me ofuscarem com esse brilho escarlate.

martes, noviembre 02, 2004

na teia da aranha
Endoscopia do anti-social

Entregues à efemeridade enquanto o substancialismo parece estar ‘fora de moda’
A sociedade moderna é formada, cada vez mais, por uma massa de indivíduos individualmente isolados em contextos individuais de elementos únicos. O ser um só, sozinho. Esse é o novo meio social em que todos se dispõem a viver. O seu próprio. As sociedades individuais que se relacionam intersocialmente, e não mais socialmente. É cada um na sua e por si. É o império do individualismo não relacionado. É a capitalização neo-liberal dos sentimentos e sonhos e planos e cotidianos. É o não somar para não dividir. É o estar só para ser dono de si. Eucentrismo forjado na covardia sentimental em que fomos embebidos. É essa a evolução natural a qual estamos sendo conduzidos? A qual estamos nos conduzindo? A doutrinação de idéias e conceitos e modelos e padrões. Estética, aparência e futilidades. Isso é tudo. A evolução tecnológica nos faz trabalhar cada vez menos com o corpo e, muitas vezes, menos com a mente também. Andamos mais de carro e menos a pé. Trabalhamos cada vez mais e descansamos cada vez menos. Menos sono, menos lazer, menos tempo para comer. Comemos fast-food cada vez mais e nos cuidamos cada vez menos. Mas como a sociedade é um organismo único, embora cada vez mais dividido em células individuais, ela cria suas próprias realimentações de controle. A doutrina da estética. Adolescentes anoréxicas e bulímicas e jovens lipoaspirados, malhados e anabolizados. É o social agindo sobre o indivíduo. Temos de nos encaixar nos padrões de grupo, mas queremos ser únicos e separados dele. Conflito de interesses? Por que as pessoas se esforçam tanto para serem aceitas nos padrões ao mesmo tempo em que se resguardam nos seus casulos para não se desfragmentarem em relações verdadeiras? É o medo. É a mediocridade das relações modernas. Porque é mais fácil abrir mão do que é fugaz. É mais fácil perder o que não é importante. Então vamos viver o efêmero para não correr o risco de sofrer pelo substancial. Vamos nos isolar para evitar problemas de relacionamentos. Vamos ocupar nosso espaço apenas conosco para mantermo-nos, assim, sempre donos de nós mesmos. Vamos ser únicos. Cada um na sua, cada um por si. Não somar alegrias para não ter de dividir as tristezas. Vamos ser superficiais para não enfrentar a difícil tarefa de conviver com a substância do outro. Mas eu não sei ser assim... Quando perdi o medo de me machucar, aprendi a amar. Foi aí então que eu percebi... que já não tinha mais medo de nada. A que sociedade será que eu pertenço?