"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

miércoles, mayo 17, 2006

três pontos
na arquitetura de um paliativo

Eu sei que não é você. Desde o primeiro instante eu já sabia. Não, eu não quis nem tentei me enganar. Sabia desde o princípio o que estava fazendo e o que estava acontecendo. E sabia também que não era você. Mas me permiti a cometer este erro (se é que se pode chamar algo assim de erro) por acreditar que viver vale mais a pena do que planejar futuros perfeitos e porque não pretendo esperar como um vegetal ambulante pela pessoa que vai caber em meus sonhos absolutamente inerte no trono do meu apartamento até que a morte chegue. Ela pode chegar antes e, além do mais, viver é viver. Me acostumei a divagar através de máximas e axiomas, tanto meus quanto alheios. Não desisti ainda. Estou muito jovem para isso e a minha natureza sedenta por paixões e emoções não me permitiria. Mas procurar demais cansa, e às vezes da vontade mesmo é sentar e esperar. Até porque já me dei conta que as pessoas certas só aparecem quando não estão sendo esperadas (ou procuradas). Nessas horas a solidão é o pior refúgio e ter o meu corpo como cárcere privado só me dá barato em situações especificamente momentosas. Embora já tenha desenvolvido inúmeros métodos para manter-me concentrado em mim mesmo (uma postura um tanto egocêntrica, é verdade), burlando o tédio a partir de elementos interiormente montados e planejados para estarem sempre a disposição. Aquele gosto amargo e seco de solidão que nos impele incontrolavelmente na direção de outrem continua vindo à tona de repente, e ainda que continue a ser uma árdua tarefa diligentemente evitá-la, esta amargura não é inesperada e, portanto, não está além de qualquer controle. Fato este que traz você, inexoravelmente, aqui. Sim, eu sei que não é você, mas isso não torna o seu beijo menos adocicado e sua pele menos macia. Não é você aquela que me trará conforto nos dias de grande tormento, aquela que fará meus brios tremerem intensamente em resposta a um toque levemente sutil e incendiário, que desafiará meus instintos mais primitivos com sua sensualidade, a minha personalidade mais intensamente arredia com seu toque de genialidade e a minha incansável proficiência com sua inteligência esguia e sua ironia e sarcasmo. Não, definitivamente, não é na sua companhia que desejava comer pipoca na cama assistindo um filme de aventura despretensioso enlaçado em um abraço aconchegante e ébrio de carinho. Não é o seu corpo que deveria estar ao meu lado requentando meus lençóis no frio do inverno, mas o seu calor, por hora, já é gostoso o bastante. E experimentando mais uma vez o frescor de teus lábios divago leve, nadando entre meus aforismos de estimação. Enquanto não encontro a pessoa certa, sigo divertindo-me com as erradas. Evidentemente, com tudo às claras. Para que nunca venha a culpar-me de tê-la ludibriado. Nosso caso segue assim, um pacto. Desde que você aceite aproveitar de mim o que tenho a oferecer-lhe. Escolha. A escolha é a mãe de todas as questões. Em todo caso, daqui pra frente, a responsabilidade é unicamente sua. Pois, infelizmente, ainda não foi dessa vez.