Se não estivesse dormindo acharia que era louca. Estava perdida numa biblioteca tão grande que talvez não houvesse livros o bastante no mundo para preenchê-la por inteiro. Sabia que era um sonho porque seus sonhos são meio assim mesmo. Exagerados. E têm um clima meio super-8 também. Foi quando viu um unicórnio negro passando desde a sala de leitura em direção a um corredor. É... ela costuma ter sonhos estranhos mesmo. Talvez por causa das batatas fritas frias do drive tru do McDonalds, elas sempre a deixam de mau humor. Prometeu a si mesma que passaria a comer no Bob’s daqui pra frente enquanto tentava seguir o unicórnio através do corredor. Até se perder naquele labirinto de paredes coloridas. Percorreu os corredores cantarolando e assobiando, enquanto percebia as paredes mudando de cor. Passou por corredores escuros e salões que brilhavam de tão iluminados. Até chegar àquela porta amarela no fim de um corredor cinzento. Era de se esperar que fosse uma porta enorme e pesada, talvez com motivos estranhos e uma enorme gárgula na frente, mas era apenas uma porta de compensado de madeira. Deixou de lado o anticlímax daquele sonho e adentrou um quarto com paredes de madeira e poucos móveis. Havia várias janelas de onde se via um bosque iluminado de um lado e uma escura floresta do outro. Sobre a mesa no centro, um livro coberto de poeira e uma caixa. Soprou a poeira do livro que não tinha nome e tomou-o nas mãos para ler. Foi quando ouviu uma voz vindo lá de fora. Correu até a janela da direita e viu aquele homem barbudo e sisudo, sentado sobre uma nuvem bem abaixo do firmamento. Ele olhou firme nos seus olhos e sorriu. Voltou-se para o livro e viu, sobre o parapeito da outra janela, uma rosa. Ouviu um trovão e virou-se assustada. Ele já não estava mais ali. Abriu a janela, observou aquele céu limpo e azul e devolveu o sorriso. Lembrou-se da história de Pandora e abriu a pequena caixa sobre a mesa. Lá estava ela. A esperança. Junto a algo mais. Zeus havia deixado-lhe um presente. Foi até a janela à esquerda buscar a rosa e viu do lado de fora o unicórnio que seguira até ali. Montado sobre ele, um homem. Um homem sem face. Vestido de negro, com um sobretudo e um chapéu verde-musgo. Ele abriu a janela e dirigiu-se a ela em silêncio. Encostou-se na janela e, apesar da ausência de um rosto, ela conseguiu perceber o sorriso que nasceu de seus lábios. O vento forte bateu a janela e, ao abri-la novamente, não havia mais nada. A não ser a velha floresta escura e coberta de neve. Guardou a rosa entre as páginas do livro, deitou-se próximo à lareira e dormiu. Acordou de manhã em seu quarto, e correu para a janela onde se via um belo céu de poucas nuvens. Sobre a cama havia um livro, com uma rosa dentro. Embaixo dela, uma caixa. E entre os lençóis, o presente de Zeus. Lembrou do homem sem face e sorriu com o livro em suas mãos. Não esperaria vê-lo de novo e descobrir o seu rosto, mas guardaria consigo a certeza de que um dia, quando menos esperasse, isso aconteceria. Charlote era apenas uma menina, mas tinha a beleza de uma mulher feita e a certeza de quem sabia muito bem o que queria viver.
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