"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

martes, febrero 07, 2006

curtas
Central do Brasil

Quando o viu na parada de ônibus seu coração deu um salto. Percebeu que ele iria subir e se olhou no reflexo da janela. Ajeitou o cabelo, se endireitou na cadeira rapidamente e ficou aguardando. Ele era exatamente o seu tipo de homem. Achou-o muito bonito e simpático logo de cara. Desejou imediatamente conhece-lo. Se acreditasse em amor a primeira vista pensaria que era este o caso. E mesmo não acreditando, já estava quase pensando o mesmo. Ele subiu no ônibus e já a viu antes mesmo de procurar um lugar para sentar-se. Observou todos os assentos e percebeu-a olhando para si. Até que virou o rosto. Olhou para a rua e, em seguida, abriu a bolsa e começou a mexer lá dentro. Pensou em sentar ao seu lado, mas não percebeu nenhum tipo de retorno aos seus olhares. Desistiu. Sentou a sua frente, sempre a olhando fixamente. Sem se mover. Ela ergueu os olhos um instante, deixando a bolsa de lado e fitou-o mais uma vez, voltando-se repentinamente para o chão logo depois. Ele simplesmente sorriu. A viagem era longa, havia tempo. Ele ia permanecer ali sentado. Observando e aguardando um sinal verde. Qualquer forma de pedido de aproximação. Pacientemente. Ela permaneceu toda a viagem assim, inquieta. Revirava os olhos e fitava o chão, o teto, a janela, a rua, os outros passageiros, mas nunca ele. Orgulhosa demais. Preferia ficar ‘na dela’. Ele a observava atentamente e, diante de suas constantes fugas de olhares, apenas sorria. Sorria e continuava observando. Pensou em se levantar e sentar-se no banco vazio ao lado da moça, mas, não recebendo nenhum tipo de retorno às suas investidas, não viu motivos para trocar de lugar. As paravas se seguiam, umas as outras. Enquanto ela ficava nervosa com aqueles olhos que não desistiam de observá-la e aquele corpo que insistia em permanecer distante. Até que chegou a vez de seu terminal. Ergueu-se e foi até a porta, posicionando-se próximo a ela, sem nunca tirar os olhos de cima da garota. Ela se enervou mais uma vez. Seu coração disparou e, instintivamente, virou o rosto para a janela da rua, com ar de abuso. Mais uma vez, ele apenas sorriu. Pensou em encará-lo também. Em devolver o sorriso. Mas era orgulhosa demais para tanto. Queria que ele falasse com ela, mas não queria puxar conversa. Morria de medo de parecer fácil. Tinha pavor de parecer oferecida. Ele se postou em frente a ela e apenas manteve-se observando. Aguardando. Esperando por um sinal qualquer. Um olhar, um sorriso, um gesto, até uma mexida no cabelo já servia. Mas não teve nada. Não recebeu nenhuma resposta senão a indiferença. E como não era médium ou cartomante, deduziu o óbvio: sem chance. “Será que ele não vai fazer nada?” pensou. “Não consegue enxergar o que está tão claro na frente dele?” Será mesmo? Percebendo a redução na velocidade do ônibus, posicionou-se para descer e deu uma última olhada, na esperança de alguma resposta positiva. Baixou a cabeça, com ar de desapontamento e torceu a boca. “Fazer o quê?” pensou. Desceu as escadas enquanto ela levantava o olhar rapidamente. Apenas para perceber o semblante desapontado do seu pretenso-suposto-pretendente que já ia embora. Colou-se na janela e, quando ele se virou para um último olhar, jogou-se assustada de volta na cadeira. Passou o resto do caminho chamando a si mesma de burra e imbecil. Nunca mais se viram, desde então.