"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

martes, diciembre 20, 2005

luto
Flores de plástico não morrem

“é tão estranho, os bons morrem jovens”
Eu queria conseguir sorrir. Como uma forma de fazer-lhe uma homenagem. Do tipo de homenagem que você merece. Feliz. Alegre como você sempre foi. Eu queria conseguir chorar. Chorar descompassadamente, com a ferocidade de um animal selvagem ferido. Maldizer o mundo e a todos. Maldizer os idiotas que se aglomeram uns sobre os outros tornando esse planeta insano e imundo. Mas nem uma coisa nem outra eu consigo. Só consigo nada fazer. Procurar perguntas que ficarão sem respostas, procurar culpas que não serão cobradas, procurar uma fuga, um vácuo, um lugar para me esconder até que as perguntas ecoem e cheguem aos seus ouvidos e, quem sabe, lhe tragam de volta. E não ser obrigado a levantar a cabeça e olhar adiante como se qualquer coisa que não esse retorno pudesse dirimir essa dor e desalento. Essa vacuidade e a sensação de impotência diante de fatos já consumados. A indignação com a morte que, com tanta gente podre para levar embora, escolheu justamente você. Alguém que ainda tinha tanto de bom a fazer. Alguém que tanto de bom já havia feito. Alguém que nunca devia partir... E por que tenho eu, agora, que levantar os olhos e seguir adiante? Olhar o mundo e fitá-lo de frente. Encarar a vida e construir um futuro tão brilhante quanto o seu. Por quê? Se por mais que a cena se repita eu não consigo acostumar-me a isso. Se você vai embora assim, sem avisar a ninguém. Sem que ninguém esperasse. Como se fosse menos doloroso e doentio se assim não o fosse. Como se, por mais que se espere e se saiba, não fossemos todos sempre pegos de surpresa. Foi para isso que vim de tão longe? Apenas para sentir falta daqueles que nunca mais voltarão? Se a vida não é justa, quem dirá a morte. Quem me dera poder agora reerguer-me e levar a rua um sorriso tão grande e quanto o seu. Mas tudo de repente parece tão sem sentido quanto sem sentido realmente parece que é. Sorrisos, fotos, cadernos, outdoors, pessoas conversando, pessoas rindo, pessoas simplesmente se olhando. Beijos, bocejos, abraços, apertos de mão. Sorvete, chocolate, cerveja, cachaça com limão. Jogos de basquete, campeonatos de futebol, pelada no domingo, jogos de botão. Shows de rock, solos de guitarra, taças de vinho, acordes de violão. Porres de whisky, cigarros no cinzeiro, festas de varar a madrugada, danças de salão. Dançar, cantar, ouvir, falar, beber, se embriagar. Champaigne ou guaraná. Me explica como pode a vida acontecer se você não está mais aqui para viver? Quando puder entender, aí sim, poderei, não me conformar, mas arrefecer esse sentimento de revolta. Ficar feliz pela sua vida, seus feitos, sua vitalidade, juventude e sua alegria contagiante. Seu jeito sempre contundente de dizer a verdade, de aconselhar, de consolar, se ser amigo. Com seu abraço forte e confortante. Com suas frases fortes e reconfortantes. Com sua vida, que transbordava aos que se faziam companheiros. E é o que nos resta. Apenas acreditar. Acreditar que, onde quer você esteja, estará sempre aqui comigo. Que seja ou não ateu, será bem recebido aonde quer que vá, como o bom homem que sempre foi. Que eu posso guardar comigo o seu exemplo de força, caráter, dignidade e lealdade. Aprender com você a ser sempre melhor. Aproveitar da vida tudo o que ela tem para dar e, acima de tudo, buscar ser sempre feliz. Tão feliz quanto possível. Eu, seus amigos e todas as suas viúvas. Todos nós. Companheiros e irmãos. Um dia seremos. Fique em paz, com os anjos que hoje sorriem consigo e se alegram com a sua presença, e que Deus o guarde.