"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

jueves, diciembre 16, 2004

três pontos
Corpo Estranho, Corpo Íntimo

Como se já não fosse o bastante ter invadido a minha vida dessa forma, sem pedir licença, sem bater na porta, sem sequer dar um aviso de “ei, estou aqui”. Você tem ainda a ousadia de se infiltrar em meu corpo desse jeito. Agressiva. Penetrando minha pele, invadindo minha alma, se aconchegando em meio às minhas vísceras e ficando. Sem permissão alguma. Como se já não fosse bastante atrevimento de sua parte implantar-se em meus pensamentos e sonhos você, ainda insatisfeita, tem a cara-de-pau de alocar em minha memória seu cheiro, seu jeito, seu gosto, seu toque. Para, através desses implantes, dominar a minha mente e meu corpo. Meus sentidos, que agora lhe pertencem, não conseguem mais distinguir outros olhos ou texturas de pele que não carreguem o código de suas barras. Garras que me dilaceram e separam as partes a serem digeridas por você. Não sem antes me mastigar, triturando minha carne crua e sangrenta, com suas presas enormes e afiadas. Passou a fazer parte de meu ser para que não pudesse expelir sua essência. Para ser invisível aos meus anticorpos e poder circular livremente pelas minhas veias, rasgando-as por dentro e me trazendo essa dor disfarçada de prazer. Como o efeito de uma heroína barata que gera êxtase e depois pavor. Alojou-se em meus pulmões como um edema. Lembrando-me insistentemente, a cada compasso de minha respiração, de sua torpe existência. Cresceu descontroladamente em algum ponto obscuro de meu ser como um tumor maligno, mas não invencível. Tornou-se parte de um passado tragicômico-dramático sem que fosse fatidicamente enterrada junto a ele. Tornou-me hospedeiro de um mal inesgotável que absorve minhas idéias e controla minhas forças ao seu bel prazer. Tornou-se vítima de seu próprio veneno quando passou a depender de mim, meu sangue, minha carne, meu organismo inteiro para suprir sua vida e manter sua sobriedade. Tornou-me vilão de minha própria história, antagonista de alma branca manchada de negro e vinho. Você e seu efeito sobre minha pele. De onde vou expulsá-la sem pesar, sem dó, sem medo de voltar a viver... só. Será extraída como um câncer, antes que me corrompa por completo. Arrancada de meu ser. Nem que pra isso precise perder uma parte de mim mesmo. Um pedaço podre de uma maçã destruída por um vil e asqueroso verme. Um pedaço que você consumiu o quanto pode para continuar vivendo. Um pedaço de carne morta que habita meu corpo e apodrece a minha alma. Um pedaço com o seu nome, Yin de meu Yang. Equilíbrio de forças que será quebrado para que eu renasça das suas cinzas.