Paro num ponto qualquer da calçada, interrompendo meu caminho, simplesmente por nada. Tomado por um ralo pensamento perdido num canto qualquer do cérebro que se espalha pelos neurônios e exige todo o córtex para si. Interrompendo meu caminhar, ele se reproduz e se espalha pelo corpo. Uma enxurrada de seus pares me invade de forma instantânea tomando todas as minhas funções num espaço ínfimo de tempo em que posso observar um filme interminável de memórias eclodindo de mim. Um amontoado sem tamanho ou peso de pensamentos dos quais, pelo menos um terço, se referem a ela. Talvez devido ao cheiro forte de batom que se espalha, saído da boca da transeunte que acaba de cruzar meu caminho. Tenho um rápido insight, suficiente para perceber o quão piegas sou eu por pensar nela ao sentir um cheiro qualquer de batom no meio da rua. Deixo o batom de lado e me concentro no turbilhão de passagens que povoam minha mente. Catalogando memórias ponto a ponto, percorrendo todos os registros e decodificando todos os bytes existentes na montagem dos trailers do passado. A vida se atravessa ante meus olhos como se pela hora da morte, fazendo-me recordar de cada detalhe e, pasmem, não me trazendo um arrependimento sequer. A não ser por um punhado de coisas não feitas, parte das quais já devidamente corrigidas. Estendo minha percepção enquanto os carros param ao meu redor e as vibrações sonoras deixam de se propagar através do ar que perde a mobilidade e a fluidez. A existência se apresenta assim, estática. E vai sumindo da visão ao passo em que a inércia se apossa dos raios de luz e das ondas eletromagnéticas que trafegam indiferentes à relatividade da física, mas são incapazes de superar a velocidade do pensamento. O mundo a minha volta desaparece à medida que o tempo pára e cá estou, perdido num vácuo absoluto. Vagando no limbo encontrado num mínimo espaço adimensional de tempo existente entre um milésimo e o milésimo subseqüente de um mesmo segundo. Um ponto de nada no meio do tudo. Um momento surreal de inexistência cósmica provocado por nossa limitada concepção de universo que não admite a existência do espaço sem que aja o tempo para dar-lhe suporte. Estou, instantaneamente, perdido em um meio atemporal e antimaterial. Perco a realidade, perco os sentidos, perco a conexão com o mundo vivo e existo tão somente em subconsciência. E subconscientemente vou deliberando acerca dos mais variados temas. Tomando decisões, tomando nota dos fatos, determinando reações e filosofando a respeito da vida que passava, mas que exatamente no agora, não passa mais. Pára. Inerte, intocável, imutável. É justamente a imutabilidade das coisas que mais assusta. Aquilo sobre o que não se tem poder ou influência. Aquilo que flui independente à minha vontade. É nesta partícula introspectiva de tempo que percebo a sua presença. Ali à minha frente. Estática como o mundo à sua volta. Irretocável. Posicionando-se fora de um plano de consciência. Naquele infinitésimo de realidade não temporal em que tudo é possível no meio do nada que se torna o universo. Num quântico período probabilístico em que todos os corpos podem ocupar qualquer lugar no espaço-tempo. Num instante em que nada existe e tudo pode acontecer até que o último digito do relógio mude completamente de posição nos trazendo de volta à realidade. Lá está você, inexistindo ao meu alcance com seu corpo bem feito de pele delicada e sua face suave de olhar plácido e lascivo. Apenas aguardando o romper daquele infinitesimal instante infinito que se vai quando o tempo retoma o controle do cosmos. Respirando fundo, reorganizo minhas sinapses e reequilibro minha consciência para seguir adiante. Estou parado numa calçada qualquer, numa rua qualquer da cidade que nem sei se é a mesma na qual me encontrava há um mísero segundo atrás, e torno a caminhar em silêncio, dando graças aos céus por aquela ínfima lacuna temporal não ter me consumido por mais de um átimo. Pois desconheço os caminhos tortuosos do meu vago pensar, que me levariam ao longe se tivessem um pouco mais de tempo para tanto. Retomo meu rumo perguntando-me porque falar tanto para não dizer nada.
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