Iranice, a gente já sabe, é brasileira, igual a tantos mais (mas lembre-se de não mexer nos seus cabelos). Iranice pode ser um monstro, mas que culpa ela tem? Se a sociedade que a gerou é igualmente monstruosa, sem escrúpulos, sem freios morais e completamente carente de princípios? E que tipo de princípios você ainda tem? E que tipo de patriotismo você leva pro estádio? O mesmo que te faz ultrapassar em local proibido, dirigir bêbado, colar na prova, furar a fila, estacionar na vaga de deficiente e pedir pro guarda dar um ‘jeitinho’? Que tipo de Brasil você vende? O mesmo falso Brasil que se veste de amarelo e vai bater bola na Copa? Do carnaval, das mulatas, samba, axé, Bahia, Olodum, festa, alegria? Do povo sorridente que sofre, mas é feliz? Ou aquele de verdade? Eu quero ver o Brasil perder a Copa do Mundo. Mais do que isso, quero ver a imagem real e sem hipocrisia de um país que se esconde de si mesmo aflorar. O Brasil da corrupção, da ganância desenfreada, do povo pobre e que já foi amedrontado um dia, e que hoje já nem consegue mais. Do povo que acha tudo normal e aceitável. Que é pobre, fútil e cada vez mais pobre e que ainda assim consegue aglomerar uma das maiores massas consumistas do planeta. Que bate recordes e mais recordes de permanência no orkut. Que se esbalda no uso dos aparelhos celulares da moda mais do que qualquer nação de primeiro mundo. Mas que se entulha de analfabetos, famintos e desempregados. Que recebe os piores salários e paga os maiores impostos. Que não tem direito a ser atendido com dignidade nas delegacias (repletas de corrupção), nas escolas e nem sequer nas filas de hospitais. Do crime organizado que toma conta das regiões de baixa renda, das viaturas policiais e até mesmo dos gabinetes dos governantes. Governantes que só defendem os torpes interesses de quem lhe interessar e continuam a se eleger e reeleger e se perpetuar no poder indefinidamente. O Brasil de Iranice e de tantos outros monstros criados à imagem e semelhança de uma sociedade podre e sem escrúpulos que se degrada cada vez mais. De gente que morre nas ruas. De fome, de assalto, de bala perdida. De doenças que se alastram pelos berços mais pobres e desprotegidos até se formar em epidemias incontroláveis. Do cara que fura a fila, cola na prova, avança o sinal vermelho, excede o limite de velocidade, dirige embriagado, joga lixo na rua, se droga, se vende, se trafica, se corrompe, se destrói. E aos outros. O país que condena a cólera de Suzane (que a prisão lhe guarde) e que, pelas costas, é conivente com a fúria hedionda de Iranice. Do marido que matou a esposa e do torcedor que jogou uma bomba no estádio. Do garoto que morreu por causa de um par de tênis e daquele que o matou por uma pedra de crack. De todos aqueles assassinos, corruptos, covardes e ladrões que vão se vestir de amarelo e torcer pelo Ronaldinho na Alemanha. De todos aqueles que vão cantar o hino nacional de dentro da cadeia e dos muitos outros que vão cantar de fora, mas deveriam estar lá dentro. De todo mundo que vai torcer pelo Brasil e gritar em coro como o seu país é um verdadeiro paraíso. De futebol, mulatas, samba e carnaval. De um povo conivente com a pobreza, a violência, a corrupção e a total ausência de índole. O país do povo brasileiro, de Ronaldinho e do penta. Do time que eu quero ver perder a Copa e do povo que eu queria ver dar a cara a tapa.
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