Iranice é uma brasileira. Viúva. Mãe de dois filhos (não é preciso licença nem comprovação de sanidade mental para isso). Já foi casada duas vezes. O primeiro marido morreu (ela mandou matá-lo). O segundo não morreu por pouco. A gente já conhece essa estória. Só finge que não. Tem por toda a parte. Iranice não tem freios morais ou noção do valor de uma vida. Ela perdeu isso, ou talvez nunca tenha adquirido. Patologicamente, não poderia ser enquadrada como psicótica. Tem noção do que faz e de tudo o que fez. Sabe que poderia ser punida pelos seus crimes, mas sabe que não o será. Seria uma psicopatologia, talvez. Provavelmente nem isso. Ela é apenas uma em meio a tantos. Apenas mais uma brasileira. Um povo sofrido, embrutecido, emburrecido, entorpecido... que aprendeu a aceitar o hediondo como cotidiano. Ninguém se espanta mais com nada. Jovens de classe média vestem kimonos e saem se espancando pelas ruas. Ateiam fogo em índios, indigentes, mendigos – “ninguém se importa com eles”. Gente se espanca, se rouba, se mata, se vende, vandalisa e ninguém se espanta mais com nada. Policiais são corruptos, advogados são corruptos, promotores são corruptos, juízes são corruptos, políticos são corruptos... e ninguém mais liga. Um maluco e sua esposa matam uma atriz famosa a facadas e todo mundo se veste de indignação. Uma garota mata os pais pra ficar com a herança e o povo se ergue em indignação. Jovens se juntam ao crime organizado, matam, se drogam, se ferem, roubam... e ninguém presta atenção. Criam-se significados distintos para o que é certo, o que é justo e o que é legal, quando, na verdade, tudo deveria fazer parte de um conceito único e indivisível. Os três, um só. Mas ninguém se importa com isso. Somos corruptos desde o fundo da alma até a cútis. Desde o motorista que acelera no sinal amarelo até o policial que recebe propina pra facilitar a rebelião. Desde o juiz que liberou o filho da cadeia e lhe deu um emprego público até o advogado que levou o celular para a prisão. Desde o cara que colou na prova até o outro da mala do mensalão. Desde o pedreiro até o presidente. Somos todos. Eu, o Lula, Iranice, Suzane, e até mesmo você, que aceita tudo isso. Porque nós somos o país do futebol, do carnaval, da mulata gostosa, do clima tropical, do turismo sexual, do ‘jeitinho’ e do Fernandinho. Porque nós somos nacionalistas e patriotas e nos vestimos de amarelo na copa do mundo. Porque aqui nunca teve guerra. Somos um povo pacifico, pacato e alegre. Alegria, alegria... esse é o povo do Brasil. Porque a humanidade é podre, mas o brasileiro é, acima de tudo, um covarde. Mas nós temos dois Ronaldinhos e somos penta. O que mais importa? Se pudermos continuar vendendo a nossa imagem de alegria e felicidade, de carnaval e futebol, de um povo que sofre, mas não perde o rebolado, de um povo que nunca passou por guerras, furacões, terremotos e que, por isso, somos felizes. Porque, afinal, nós somos penta. E é isso o que vale. Nós somos penta e eu quero ver o Brasil perder a copa do mundo. Mas quer saber? No final, tudo vai continuar igual.
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