"you don't choose the things you believe in, they choose you."

Minority Report (2002)

jueves, mayo 12, 2005

três pontos
Ritual de Passagem

Uma sensação de vazio avassaladora te absorvendo desde as raízes dos cabelos até as unhas dos pés, passando por cada vértebra da coluna, desligando as conexões do sistema motor. Mãos geladas, suadas e tremulas, assim como as pernas e demais partes do seu corpo. Uma sede que te consome de repente, que você vai tentando matar com essa saliva insossa e seca, mas não consegue. Vontade de fugir, de correr, de sumir, de se esconder. Um fosso sem fundo, negro, úmido e frio sob seus pés. Falta de chão, de teto, mas não de paredes. Paredes que te apertam, que se fecham sobre você sem deixar espaço para se locomover, sem deixar espaço para se mexer, sem deixar ar para se respirar, sem deixar corpo para se sentir. Vão apertando, apertando, apertando. Primeiro seu corpo, depois sua cabeça, sua alma em seguida, depois o seu peito e por fim, seu coração sendo feito mínimo, parado, assustado. Apertado e parecendo que vai desaparecer ali dentro de seu tórax dolorido. Uma dor sufocante que parece imortal. Uma dor dilacerante que parece insuportável. Uma sensação de impotência, incapacidade de mudar os fatos, de transformar a realidade. Uma vontade gritante de retroceder no tempo e alterar a sorte. Uma culpa inafiançável de não ter feito, de não ter dito, de não ter pedido, de não ter sorrido, de não ter abraçado, de não ter vivido. Um desejo incontrolável de caminhar para traz e agir diferente, de pedir desculpas, de dizer que sente, de dizer que gosta, que admira, que confia, respeita, ama. De dizer que vai sentir muita falta. Um eco ressonando em seu tímpano como um badalo de um sino enorme que repete cada palavra dita insistentemente para um interlocutor que não se faz presente. As palavras indo e voltando com força, como se precisassem ser ouvidas, como se precisassem ser digeridas e como se fossem ecoar para sempre no silêncio das respostas que não são mais dadas. Um sentimento de perda que parece que nunca será superado, porque realmente nunca o será. Uma ausência que se fará sentir constantemente até um sempre que só terá fim quando finados forem também os seus dias. Um desalento e um desconsolo simétricos a todos os afluentes do seu corpo que quer se contorcer diante da luz de um novo dia que agora só chega para você. Uma tristeza inconsolável e uma angústia inconformada com a imutabilidade dos fatos. Com a irreversibilidade daquele destino. Uma necessidade incompreensível de se despedir de alguém que já se foi e já não pode mais ouvi-lo. Que já partiu e nunca mais irá voltar. Um olhar choroso, acompanhando cada passo do trajeto definitivo daquele corpo que podia ir aonde quisesse, mas que agora jaz vazio e inerte com uma expressão incolor e difusa. Uma receita de simbolismos que não ajudam a arrefecer o abalo provocado por um evento que te pega sempre de surpresa, por mais que se esteja a sua espera. Um último adeus sem resposta. Uma necessidade de levantar a cabeça e seguir em frente mesmo que lhe falte um pedaço do corpo, mesmo que haja uma ferida que parece que nunca vai cicatrizar, mas que você sabe que um dia cicatriza. Mesmo que seja imprescindível, poupar da luminosidade do dia os olhos pálidos e o corpo cansado, escondidos por traz de lentes e vestes negras. E por fim, a certeza de que as coisas retornam sempre ao normal, mesmo que seja uma nova normalidade completamente diferente. É a vida que segue em seu curso.